Crítica do
Segundo Caderno de O Globo (16/3/2018)
Crítica/ “Hoje é
dia de rock”
Minas é o ponto de partida para chegadas
desconhecidas. Ir, sem saber o que encontrar, mas levando o que se tem do
arraial de sentimentos, é a caminhada da família de Pedro Fogueteiro. Músico à
procura de uma clave inexistente, fabricante de fogos de artifício, segue a
contragosto com a mulher Adélia e os cinco filhos para que novas fronteiras se
abram para cada um. É ao encontro de vida melhor, de atravessar montanhas para
um mundo de sons diferentes, que levam um trem de afetos e dores de um lugar
que nunca os deixa. José Vicente, autor de “Hoje é dia de rock”, viveu como
mineiro o encanto e sofrimentos de sua origem, e como ator da contracultura, as delícias e o espanto de um mar a ser
explorado. Não por acaso, o texto escrito no início da década de 1970, se
transformaria em fenômeno teatral na montagem hedonista de Rubens Corrêa. No
mesmo Teatro Ipanema, 38 anos depois, a saga familiar de repressões e
liberdades volta em versão onírica do também mineiro Gabriel Villela. Incomparáveis
pelo tempo e visões que as distanciam, se aproximam pela identidade geográfica
e apelo emocional. Villela poetiza, em ciranda de sentimentos, o desejo de ser
um deus asteca, o olhar conciliador de uma cega, a conquista impossível do moto
contínuo e a pirotecnia lírica da música de um homem. O diretor transpõe os
contornos de personagens para enovelar o universo que os une e o escapismo que
os move. Decisivamente poético, impregnado da estética própria do encenador, a
montagem recondiciona a narrativa ao seu imaginário cênico. Da geometria de
cadeiras coloridas em apoio a arquiteturas invisíveis, emerge um mapa-telão com
um rio de minério dourado. Dos pequenos adereços dispostos no palco, surgem flores de pano e
maleta-relicário. Do figurino de artesão, transbordam costuras e brilhos. Da
trilha mineira-latina-caipira-roqueira são emitidas melodias de dissonâncias e esperanças.
Nesse dominante espaço sonoro-visual, ultrapassam-se as contraturas da
dramaturgia para ganhar assinatura característica de uma linguagem teatral
particular. Como em tantas outras vezes, Gabriel Villela explorou a mineiridade
através dos laços interioranos e das imagens de uma cultura marcante. A equipe
técnica e o elenco dessa produção curitibana do Teatro de Comédia do Paraná estão
integrados ao espírito do diretor, criando envolvente musicalidade poética. Os
atores – Arthur Faustino, Cesar Mathew, Evando Santiago, Flávia Imirene, Helena
Tezza, Kadê Persona, Luana Godin, Matheus Gonzáles, Nathan Milléo Gualda, Paulo
Marques, Pedro Inoe e Marco França, com destaque para Rosana Stavis e Rodrigo
Ferrarini – formam um coro sensível de acólitos de uma teatralidade estetizante.