quarta-feira, 13 de dezembro de 2017

Temporada 2017

Crítica do Segundo Caderno de O Globo (13/12/2017)

Crítica/ “Uma espécie de Alasca”
O vazio frio do lapso 

Baseado em “Tempo de despertar”, do neurologista britânico Oliver Sacks, o dramaturgo inglês Harold Pinter recria o caso real de alguém com doença do sono (encefalite letárgica), que permaneceu em estado comatoso por 29 anos. Neste longo tempo de suspensão de cotidiano, a adolescente do passado, se perdeu da idade e da continuidade de uma história a ser vivida. E que ao acordar enfrenta os estilhaços de memória à procura de restaurar a consciência para além do vazio do lapso. Os que assistem a esse silêncio existencial, a irmã e seu marido médico, se anulam como casal para manter vivo um corpo com movimentos induzidos e mente calada, tornados um presente impenetrável e absoluto. Verdadeiro ou falso, que trajeto poderá ser reconstituído para ultrapassar o vácuo, e revelar a passagem dos anos sem datas? A atuação familiar e as condições patológicas da mulher de 45 anos são elementos secundários no texto de Pinter. O que o autor recria, é a percepção difusa de ela estar soterrada na areia e ao abrir os olhos, entrever um mundo irreconhecível. É deste universo terroso, que a água da inconsciência não umedece, que emerge uma espécie de Alasca, o estado permanente de hibernação. Ela deixa ver, por sensações relembradas, que havia dança num espaço claustrofóbico e que se ouvia o pingar de uma torneira. E tenta refazer-se pelas vozes dissonantes dos cuidadores. Do despertar, resta a imobilidade dos prazos. Não existirá mais agora, apenas o antes. Gabriel Fontes Paiva eliminou a dramaticidade em favor do onírico. Com realismo contido e ritmo subjetivo, o diretor aplica recorrentes soluções cênicas para estabelecer densidade narrativa, com sons e imagens escapistas. A cenografia de Gabriel Fontes em tonalidade de terra é complementada por audiovisual um tanto previsível de Luiz Duva e pela música que pouco contribui para o clima da encenação. Yara de Novaes dosa a juventude perdida com o espanto da revelação adulta com sutis modulações de voz e de técnica corporal. Na mesma linha do diretor, a atriz não faz do drama, veículo de sua interpretação, mas compõe em entrelinhas tensas, a solidez de sua presença no palco. Miriam Rinaldi e Jorge Emil formam dupla convincente.