sexta-feira, 27 de outubro de 2017

Temporada 2017

Crítica do Segundo Caderno de O Globo (27/10/2017)
 
Crítica/ “Dançando no escuro”
Escapismo sob inspiração da Broadway
A adaptação teatral de “Dançando no escuro” é fiel ao filme do dinamarquês        Lars von Trier, não só na forma narrativa, como no espírito emocional e crítico da trama original. A imigrante Selma, mãe de um garoto, operária em uma fábrica e com cegueira progressiva, trabalha, exaustivamente, para pagar a cirurgia do filho, ameaçado pela mesma doença materna. Os percalços que a conduzem a tantos sofrimentos e a sucessivas negações de seus pequenos desejos, são divididos com a paixão por musicais, tentativa de evasão, roubada, como tudo em sua vida. Vinda do Leste Europeu, vivendo nos Estados Unidos, se diz comunista, ao mesmo tempo em que é fascinada pelo brilho da Broadway, único e possível escapismo à sujeição a injustiças e ao desprezo social. Talvez pelas características do movimento Dogma 95, há um artificialismo formalista que faz com que o melodramático assuma a função de abalar a emoção, e os sinais coreográficos e musicais da tradição do gênero, ganhem o sentido invertido de comentários irônicos à sua estética. Selma é alguém que lembra, no desamparo, personagens como Cabíria e Macabéa, que sucumbem às derrotas insuperáveis da vida. Dani Barros, a bem sucedida diretora estreante, valorizou com autonomia criativa, a adaptação cênica do filme, em montagem com rigor no desenho e acabamento na realização. A direção tem cuidados de não invadir a fronteira da pieguice ou do choro piedoso, mas o território da construção dramática comunicativa. A montagem é direta na costura como chega à plateia, medindo a dosagem de emoção com a temperatura da ação, provocando aderência atenta ao desenrolar do entrecho. A aparente simplicidade visual, deixa ver com a cenografia de Mina Quental, a iluminação de Felício Mafra e o figurino de Carol Lobato, a atmosfera cinza do ambiente e a aridez desesperançada das vivências. As músicas originais de Bjork, a direção musical e arranjos de Marcelo Alonso Neves, e o quarteto de músicos _ Vanderson Pereira, Johnny Capler, Allan Bass e Dilson Nascimento – formam conjunto de eficiente sonoridade. E o som produzido pelos atores, como complemento das atividades fabris, além dos movimentos coreografados de Denise Stutz, arrematam o caprichado artesanato da diretora. Do elenco bem orquestrado – Cyria Coentro, Luís Antonio Fortes, Andrêas Gatto, GregBlanzat, Julia Gorman, Lucas Gouvêa, Marino Rocha e Susana Nascimento -, se destaca Juliane Bodini. Por força do protagonismo de Selma, a atriz tem oportunidade de projetar sua boa voz e revelar a sua frontal disponibilidade de intérprete.