quarta-feira, 2 de agosto de 2017

Temporada 2017

Crítica do Segundo Caderno de O Globo (2/8/2017)

Crítica”/ O garoto da última fila”

Manipulações da educação sentimental

O garoto que sai da última fila da sala de aula para enredar todos à sua volta, e a ele próprio, em tramas urdidas em capítulos de redações escolares, é um aluno que conquista destaque pela manipulação. Ao envolver o professor de literatura, sua mulher, a família de um colega e a si mesmo em histórias que cria, confrontando atitudes e cânones literários, revela capacidade de perturbar as relações daqueles com quem convive. O professor de alunos desinteressados, se deixa ver como escritor frustrado. Sua mulher, que trabalha em galeria, procura, em conceituações vazias, o que imagina ser arte contemporânea. A família, na disfuncionalidade dos papéis convencionais, estabelece autodefesas  para se recompor. E pairando sobre cada um, o estranho guri constrói narrativa de muitas elipses e inversões de autoria. Inquilino do que escreve, se torna proprietário dos sentimentos que manobra e que explora com a consciência difusa de falência de todos. Esse anjo exterminador que o espanhol Juan Mayorga inscreve em sua galeria dramatúrgica de personagens que nascem do estranhamento e sobrevivem no conflito, tem menor contundência do que vários tipos de sua obra. A ambientação abstrata e absurda que impõe aos seus textos de reflexões sobre a violência e de traumatismos sociais, adquire em “O garoto da última fila”, conotação de crítica transparente, sem a mediação de olhar nublado pela ironia. Victor Garcia Peralta conduziu a montagem nesta mesma linha, mas em relativo desalinho formal. O diretor ajusta, com timidez, a descontinuidade das cenas e a variação dos cenários emocionais, a restrito movimento pendular da ação. Os escritos, que sempre terminam com a advertência de que continuarão, ficam sem paralelo na representação da expectativa e da tensão pelos seus desdobramentos. Neste coral de vozes desajustadas, o elenco se articula como um conjunto de interpretações com solos díspares. Atores do núcleo familiar – Celso Taddei, Lorena da Silva e Vicente Conde – reforçam os sinais exteriores dos personagens. O casal – Isio Ghelman e Luciana Braga - contracena em tom de dr (discussão de relação). O garoto - Gabriel Lara – é quem melhor circula pela ambiguidade do nerd que maneja vidas.