quarta-feira, 5 de julho de 2017

Temporada 2017

Crítica do Segundo Caderno de O Globo (5/6/2017)

Crítica/ “Hamlet”
O príncipe da Dinamarca entrevisto entre imagens e ruídos 

A cada montagem, “Hamlet” adquire contornos e formas exploratórias de integrar a tragédia de Shakespeare ao fluxo das relações com o tempo e o teatro contemporâneos. Projetar a integridade do personagem à amplitude de suas dúvidas em ambientação referenciada, se mostra como projeto capaz de estabelecer linguagem autoral, sem buscar a radicalidade dos meios que tenha a ousadia como fim. A encenação de Paulo de Moraes e a versão dramatúrgica de Maurício Arruda Mendonça estão neste cruzamento de convergências, no qual o ponto de interseção se localiza entre ruídos e imagens e a inteireza verbal de origem. A tradução-adaptação ajusta em poética mais livre, mas não menos fiel, o olhar de atualidade que a direção procura sustentar com a mesma limpidez e força dramática do texto. Dividida em dois atos, com explosão de imagem no início, e som pesado, marcando tensões, a versão de Arruda-Moraes condensa a narrativa, que oscila, em equilíbrio delicado, do rompimento à acomodação. Na primeira cena, quando o fantasma paterno explode, em ruidosa imagem, provocando inesperada aparição, é moldado o percurso do príncipe da Dinamarca. O Hamlet que surge dos estilhaços dessa projeção é o jovem que deseja reconhecer a si mesmo, para além da construção de vingança, mas que avança em rumos, algumas vezes, divergentes. Se em momentos é alguém que expõe suas hesitações, em outros adensa menos a essência dessas hesitações. O personagem se deixa ver na grandeza frágil no seu destino de “vir ao mundo para consertar o erro”. Mas também se diminui na urgência em que é levado a abandonar, na mesma fluência das falas cuidadosamente traduzidas, os passos hesitantes até o definitivo silêncio. A direção de Paulo de Moraes é de um artesanato criterioso, com soluções de efeito e inteligência teatral, que referendam a boa audição shakespeariana. Em sentido paralelo, a dinâmica cênica adquire velocidade que atropela o detalhamento para que surja a força da ação, ofuscando as razões do impulso. O primeiro ato reúne as características formais ampliadas numa sucessão de recursos surpreendentes. No segundo, quando esses recursos perdem força, o desenvolvimento da trama ganha o ritmo de um voo rasante. A cenografia de Carla Berri e Paulo de Moraes confere à caixa cênica a imponência de estrutura envidraçada, que se movimenta como anteparo de vilanias e abrigo de duelos. A iluminação de Maneco Quinderé define a coloração dramática de assassinatos e a luminosidade da maquinaria do palco com a autoridade de sua assinatura. O Hamlet de Patrícia Selonk não destoa da linha da direção, que faz do personagem, ator exaltado de interioridade comedida. O elenco – Ricardo Martins, Marcos Martins, Lisa Eiras, Jopa Moraes, Isabel Pacheco e Luiz Felipe Leprevost – está igualmente alinhado com a proposta vibrante do encenador.