quarta-feira, 19 de abril de 2017

Temporada 2017

Crítica do Segundo Caderno de O Globo (19/4/2017)

Crítica/ “Nada”
A percepção do efêmero em Tchecov


O todo se parte em pedaços para dizer que tudo pode estar no nada. A proposta dessa coletânea de textos de Tchecov, com toques de Tennessee Williams, reúne tantas ideias teatrais quanto o diretor Gilberto Gawronski imaginou como reflexão afetiva sobre o ato de estar no palco. Se o autor russo é o material dramatúrgico, a percepção do efêmero da representação cênica é o feixe narrativo. Dois atores, intérprete e ponto, caracterizados como clowns, encenam “Os malefícios do tabaco”, ao que se segue “O canto do cisne”, em que um velho comediante descobre não haver qualquer outro lugar para si longe do teatro. A partir de então, trechos de “O jardim das cerejeiras”, “As três irmãs”, “Tio Vânia” e “A gaivota”  procuram se articular como memória de atuações, em paralelo a citação ao “Rei Lear” e a tentativa de acionar a expectativa de ação dramática com fragmento de “A dama da bergamota” do autor americano. Do universo tchecoviano são apontados momentos em que o teatro é o centro em torno do qual a vida se revela uma contínua construção, que chega em estilhaços a pontos que exigem recomeço. Gawronski escreve sua dramaturgia cênica com muitos elementos que, nem sempre, encontram assimilação entre as sutilezas dos sentimentos dos personagens citados, e a fragilidade de uma criação em permanente estado de emergência. O diretor traduz, apenas parcialmente, as ligações dos textos com o fluxo da ação. As firulas dos diálogos selecionados, pouco se integram à nervosa expressão visual, deixando confuso o que deveria ser trânsito. A montagem fica esfacelada, desunida na sua integridade, projetando instantes que não compõem o jogo contrastante do teatro como vivência. Aquilo que faz o nada existir e que a profissão de fé no trabalho permite dar continuidade, e que não abandona o melancólico e derrotado tio Vânia, ficam prejudicados por tantos volteios e falsas pistas. Renato Krueger faz um esforço bem intencionado de garantir participação viva em intervenção um tanto deslocada. Clarisse Derzié Luz e Analu Prestes sustentam nas figuras masculinas a fatia mais coesa da montagem, dispersando as atuações em mudanças rápidas de temperaturas interpretativas muito oscilantes.