quarta-feira, 25 de janeiro de 2017

Temporada 2017

Crítica do Segundo Caderno de O Globo (25/1/2017)

Crítica/ “As palavras e as coisas”
Diálogo abstrato com múltiplas pistas


O texto e a direção de Pedro Brício em “As palavras e as coisas” são fronteiriços. Tanto na escrita quanto na transposição cênica, pretende atingir algo que está próximo ou contido naquilo que diz e mostra, mas que sempre é contornado, obscurecendo o sentido para onde aponta. Há uma trama como ideia de acomodação ao realismo. Existe alguma estranheza para lembrar o teatro do absurdo. Dá toques que arranham a “subjetividade contemporânea”. Propõe divagações entre criação e  lembrança como um quebra-cabeça de palavras. O acidente de carro que leva ao hospital um escritor no dia de lançamento de seu livro, reúne duas de suas amigas na antessala do CTI à espera de notícias. Com vagas informações sobre elas, com exceção da doença que as assalta (vomitam garfos e outros objetos), falam do amigo, relembram a convivência e dizem de coisas que não cabem nas palavras. A ficção no livro informa algo sobre o que se passou, mas a presença das amigas desaparece no meio da sequência literária, e a clareza se perde irremediavelmente, reduzida a ação física e a imagens, insuficientes para apoiar dispersas e ambiciosas questões. O próprio autor acusa a imprecisão narrativa, propondo à plateia que organize e ajuste as peças pela sua lógica de percepção. A sugestão não é seguido pelo diretor. A montagem tem uma limpeza que o cenário hospitalar de Tuca e a iluminação fria de Tomás Ribas reforçam e a direção de Pedro Brício preenche com cores esmaecidas. Ao assumir o papel duplo de autor e diretor, Brício buscou ser fiel a si mesmo nas duas funções, com perda da necessária distância que permitiria equalizar o diálogo. A cena adquire os mesmos significados abstratos que as situações dispõem, mas estão separados por desconexão básica com linguagem mais direta. O quarteto de atores – Branca Messina, Lúcia Bronstein, Gabriel Pardal e Daniela Kupek – desempenha impressões soltas no ar, com o estímulo do crédito que atribui ao que interpreta.