quarta-feira, 9 de novembro de 2016

Temporada 2016

Crítica do Segundo Caderno de O Globo (9/11/2016) 

Crítica/ “Até o final da noite"
Casal à procura de outro espaço, depois do "ninho"vazio

O texto de Júlia Spadaccini seria melhor definido como comédia de costumes. Atualizados, observando comportamentos que estão por aí e comparando relações ao longo do tempo, os costumes são apontados, seletivamente, para fazer com que a plateia se reconheça no palco. O casal de meia idade fica frente a frente, depois da saída para o exterior do único filho. Ela, dona de casa dedicada ao marido. Ele, profissional estabelecido, mas frustrado. Ambos, na iminência de traições, recebem jovem casal que conheceram nas últimas férias. Os preparativos para a noitada se desdobram em confissões mútuas e desfecho conciliador. Trama simples, com diálogos costurados e situação-base que não sai do controle, a autora demonstra domínio e correção, o que assegura o interesse daqueles a que a narrativa está, diretamente, voltada. Mas as simplificações e contrastes que ilustram as diferenças entre os pares se tornam mais ingênuas do que seriam desejáveis se fossem melhor acomodadas em entrecho um pouco mais adensado. As diferenças se acentuam para cortejar o humor, enquanto desaparecem os embates por trás das aparências. O diretor Alexandre Mello comanda o quarteto de atores com movimentos coreográficos que demarcam o espaço como um jogo de entra e sai de vaudeville. A colaboração de Márcia Rubin nesta dança de casais é determinante na agilidade que a montagem ganha ao friccionar um certo estiramento da ação. A cenografia de Beli Araújo, ainda que não original, resolve com economia a necessidade de duas áreas distintas (sala e cozinha). Fixada na parede, a planta baixa dos cômodos, com respectivas identificações, têm os objetos (móveis, pratos) presos em cada área, oferecendo outra perspectiva de olhar a ambientação. Letícia Cannavale e Rogério Garcia, o casal visitante, se ressentem do papel de “escada” para o casal residente. Menos definida em suas participações, a dupla é mais ouvinte do que atuante. Letícia não consegue interpretação plausível para a empresária e seu segredo. Rogério se confunde nos desvios e dubiedades do escritor simplório. Ângela Vieira, que conduz as situações, assume a presença centralizadora com mais facilidade nos momentos em que atua com maior leveza. Ísio Ghelman encontra no humor, levemente crítico, a tonalidade para um marido descolorido.