sexta-feira, 11 de novembro de 2016

Temporada 2016

Crítica do Segundo Caderno de O Globo (11/11/2016)

Crítica/ “O casamento suspeitoso”
Ação picaresca vestida de tradição nordestina
No teatro de Ariano Suassuna, “O auto da Compadecida” pode ser considerado um “clássico”. “O casamento suspeitoso”, escrito em 1957, dois anos depois do texto mais celebrado do autor paraibano, ocupa um lugar bem menos destacado. A reprodução de um imaginário de fundamentos ibéricos e de figuras populares, socialmente desenhadas, define a ação picaresca movida pela esperteza daqueles que usam maneirismos da inteligência para armar e desfazer tramas. Tradições nordestinas e da commedia dell`arte compõem com linguagem de sotaque regional e de referências universais, entrecho ingênuo que aponta os maus costumes e castiga a falsa moral. Ainda que mantidas e desenvolvidas com segurança dramatúrgica, as peripécias de Cancão, o bufão sertanejo mascarado de simplório, quando expostas à passagem do tempo, deixam que se apaguem os seus melhores sinais. Os bons diálogos estão intocados, assim como as intrigas da narrativa, marcas do seu comunicativo registro original. Mas o desgaste da comicidade pela ingenuidade datada atinge as pretensões com que foi construída e abala a resposta da plateia. A dupla de diretores, Glaucia Rodrigues e Wagner Campos, se mantém dentro das regras do “fazer bem”, sem se desviar do que as rubricas apontam e o elenco pode responder. A movimentação ágil exigida pelos muitos disfarces e o vai-e-vem de identidades trocadas até têm a dinâmica exigida pelas cenas, que ficam corroídas por deixar tão à mostra os dispositivos das tramas. Tudo fica exposto nesta arquitetura de comédia em que os andaimes que a sustentam são, já em si, muito visíveis. As maquinações correm satisfatoriamente, com as perdas inegáveis de vitalidade e frescor que situações cansadas não mais provocam como na estreia na década de 50. O bom comportamento se estende a toda montagem, que adota modéstia e reverência que transformam o texto em registro de época. A cenografia de Colmar Diniz, em semicírculo-telão com várias portas, facilita o entra-e-sai. A iluminação de Rogério Wiltgen se expande nas cenas solares e cria meios tons nas sombrias. A distribuição dos papéis fica prejudicada pelo protagonismo de Glaucia Rodrigues como Canção, o artífice dos golpes de teatro. Rígida, tensa e pouco à vontade na função ardilosa de se fazer de homem, a atriz emperra o ritmo e secundariza o personagem. Em contracena com André Arteche, o seu medroso companheiro de tramoias Gaspar, Glaucia evidencia o descompasso da sua interpretação. André, em trabalho corporal e de voz bastante articulado, sugere que talvez a troca de papéis com a atriz, rendesse melhor. Isabella Dionísio, Flavia Fafiães e Maria Adélia completam, com atuações regulares, o elenco feminino. Edmundo Lippi, Henrique Juliano, Hélio Zachi e Igor Cosso demonstram menos regularidade no grupo de atores.