sexta-feira, 8 de julho de 2016

Temporada 2016

Crítica do Segundo Caderno de O Globo (8/7/2016)

Crítica/ “Cais ou Da indiferença das embarcações”
Ilhados em histórias à deriva

Histórias de três gerações desembarcam no cais da Ilha Grande, onde um barco é personagem e encontros e suicídio, amores e desencontros se entrecruzam. A ilha, que abrigou um presídio, confina os sentimentos daqueles que cercados pelo do mar, concentram desejos irrealizáveis no espaço restringido das vivências. A mulher que se apaixona por um preso, e que se mata com os pés atados a uma cadeira, à beira do cais, desencadeia as peças soltas de vidas que se confundem nos impulsos e se definham em gestos repetidos. O barco, que transportava presos e mercadorias do continente à ilha, é quem conta as histórias que se interpõem em tempos paralelos e em ondas dramáticas, embalados por canções de inspiração marinha. A existência dessa embarcação narradora está impregnada das dores e amores de quem se deixa levar por percursos de que não se pode desviar. Metáforas, símbolos, saga, memória, realismo, melodrama, poética, “Cais” costura variados meios expressivos para escrever folhetim cênico em capítulos que se armam na alternância de épocas e na confluência das emoções. O texto de Kiko Marques despeja, com a sinceridade com que se identificam os personagens e a generosidade como se expõe a trama, o caudal de cenas que desaguam, em três horas, numa torrente contínua de sentimentos trespassados. O autor não economiza fabulação, detendo-se em detalhes aos quais empresta relevância dramática. Na direção, Kiko Marques acomoda na cenografia-passarela de Chris Aizner, o elenco coeso que tem no sentimentalismo a base das suas interpretações. A estrutura bem azeitada desta novela de ilhéus emocionais, mantém o ritmo cênico pela capacidade de se despregar da linearidade e atracar no lirismo de novela.