quarta-feira, 6 de julho de 2016

Temporada 2016

Crítica do Segundo Caderno de O Globo (6/7/2016)

Crítica/ “Galileu Galilei”
O astrônomo que renega a verdade científica 

A encenação de “Galileu Galilei” no Oficina, em 1968, terminava com o elenco dançando “Banho de Lua”, sucesso da cantora Cely Campelo. A versão da diretora Cibele Forjaz para o texto de Bertolt Brecht parece ter partido desse ponto. A vida do astrônomo, contada pelo dramaturgo alemão, o apresenta como cientista que afirma a sua fé na razão humana, e  homem  que gosta dos prazeres da mesa e do copo. Ao defender, e provar, que a Terra girava em torno do Sol, foi ameaçado de arder na fogueira da Inquisição, que o levou a abjurar da verdade.  Galileu não tem nenhuma máscara, e seus atos, até os de negação, reafirmam sua humanidade diante da “paixão pelo conhecimento e volúpia pela pesquisa”. É aquele que sustenta que a justificativa da ciência está em “aliviar a canseira humana”. Pelas técnicas de distanciamento e didática de Brecht, Galileu poderá ter tantas interpretações quanto se explore a dialética entre divertimento e reflexão. Cibele Forjaz estabeleceu a sua convenção cênica na substituição da palavra ciência por arte, reencontrando na troca o fio condutor que aproxima a sua montagem do final do espetáculo de José Celso Martinez Correa de há quase cinco décadas. O carnaval que libera é o mesmo que mascara, e as formas de teatro que derrubam a ilusão da consciência são expostos pela diretora nas contradições de seus efeitos e na reavaliação da sua ideologia. O personagem masculino é interpretado por uma atriz e marchinhas carnavalescas não deixam esquecer o poder do dinheiro. O estranhamento é atualizado por um panelaço e o tempo, revivido por melancólica execução da Internacional Comunista. Os recursos se desdobram na busca incessante dos sentidos, recondicionando certos códigos teatrais para expandir seus limites. Os atores se mostram, todo o tempo, como seus personagens, figuras que se exibem em arena carnavalizada, repleta de truques que estimulem a atenção e levem ao pensamento crítico. Nada mais brechtiano. A proposta de Cibele Forjaz segue, com vibração tropicalista os cânones da teoria, com tendência a privilegiar os acordes populares. Mas a tonalidade reflexiva fica sufocada pela escolha do exibicionismo como linguagem dominante, colocando no mesmo formato indivíduo e pensador. Múltiplas em estímulos, a encenação se dispersa na explosão do debate central em tantas referências a estilos, que música, atuação, cenografia, adereços e até maquiagem adquirem a padronização do alarde. A trupe dos atores num alinhamento com saltimbancos, se distribui por um quadro integrado à proposta distendida da direção. Denise Fraga, por força de Galileu conduzir a narrativa, se impõe plenamente no palco.