quarta-feira, 27 de julho de 2016

Temporada 2016

Crítica do Segundo Caderno de O Globo (27/7/2016)

Crítica/ “Vaidades & tolices”
Brincadeiras em ritmo acelerado

Tchekhov considerava comédias seus melancólicos dramas e sensíveis contos. A avaliação do autor russo tem um toque de ironia e de constatação amarga, que colaboram para reafirmar os sentimentos contraditórios e a melancolia inseparável de personagens declinantes. Mas o conceito se aplica, sem qualquer necessidade de outras definições, em suas comédias em um ato, como em “O urso” e “O pedido de casamento”, que a Cia Limite 51 reuniu em única montagem, dirigida por Sidnei Cruz. São peças curtas, vinhetas teatrais, que em tramas ingênuas e situações simples brincam com emoções provocadas por vaidades, dissimulações, fúria e tolices. Os códigos cênicos, tão bem costurados e explorados como um jogo exposto de aparências, estão a serviço da agilidade dos diálogos, da ingenuidade da ação, e da superficialidade da narrativa. A direção investiu em cada um dessas característica, partindo da junção dos dois textos como se um fosse extensão do outro. As cenas se interpõem em continuidade fluente, mantendo a sua individuação, mas integrando corrente expressiva que ganha assinatura autônoma. Da mistura das partes, surge a integridade de um universo vaudevilesco de humor lúdico e efeito brincalhão. Singela, direta e envolvente, a comicidade techcoviana encontra mecânica de palco numa tradução brejeiramente caricatural. A montagem adquire ampla comunicabilidade com a plateia, não avançando para além do que esse brinquedo teatral propõe como diversão. A cenografia de Colmar Diniz incorpora, nas várias cadeiras da ambientação, a dança frenética dos movimentos, carregadamente sugestivos, e das palavras, vertiginosamente proferidas. Os atores em sintonia com a frequência do diretor, estilizam as interpretações como um balé de corpos e vozes em acelerado ritmo cômico. Marcelo Escorel como o Urso, de voz vigorosa e atos tresloucadas, joga para a plateia sem medir os meios de sedução para conquistar a assistência. Edmundo Lippi transita com facilidade entre o pai e o criado. Rafael Canedo assume com eficácia os maneirismos do jovem pretendente à mão da amada. Flávia Fafiães é uma viúva de fogosidade reprimida e Isabella Dionísio uma mocinha cheia de opinião. 

terça-feira, 26 de julho de 2016

Prêmios

Prêmio Shell
"Auê": três indicações

Finalistas do primeiro semestre

Autor: Diogo Liberano ( “Os sonhadores”)
           Pedro Kosovski, Marcia Zanelatto e Jô Bilac (“Fatal”)

Direção: Duda Maia (“Auê”)
               Vinícius Arneiro (“Os sonhadores”)

Ator: Matheus Nachtgale (“O processo de conserto do desejo”)
         Marcelo Escorel (“Vaidades & tolices”)

Atriz: Debora Bloch (“Os realistas”)
         Helena Varvaki (“A outra casa”)
         Adassa Martins (“Se eu fosse Iracema”)

Cenografia: Aurora dos Campos (“Os sonhadores”)
                    Adriano e Fernando Guimarães e Ismael Monticelli (“Hamlet – Processo de revelação”)

Iluminação: Fernanda e Tiago Mantovani (“Estudo para a missa de Clarice”)
                    Renato Machado (“Auê”)

Figurino: Luiza Fradin (“Se eu fosse Iracema”)
               Kika Lopes (“Gota d’água – a seco”)

Música: Alfredo Del-Pinho e Beto Lemos (“Auê”)
              Pedro Luís (“Gota d’água – a seco”)

Inovação: Fernando Libonati e Marco Nanini pelo espírito empreendedor de investir no próprio setor teatral através do conjunto de iniciativas: Galpão e Garagem Gamboa, Reduto e Hospedaria.

quarta-feira, 20 de julho de 2016

Temporada 2016

Crítica do Segundo Caderno de O Globo (20/7/2016)

Crítica/  “Gata em telhado de zinco quente”
Sensualidade em efervescência
Em 1955, quando escreveu “Gata em telhado de zinco quente”, Tennessee Williams acrescentava às suas obsessões dramáticas a homossexualidade de maneira mais explícita. O tema, tão sensível ao puritanismo da época, se tornava o centro da trama em que a sexualidade, reprimida e em permanente estado de tensão, eclode em uma família, marcada pela doença do patriarca e a ambição da sua descendência. A narrativa se estabelece em torno de sentimentos velados que afloram em impulsos, e chegam à superfície como entrechoques de guerras interiores. O realismo psicológico do autor, baseado em diálogos construídos com precisão e costurados sob um universo social de contornos definidos, transforma os textos de Williams em exemplares bem acabados do gênero. A “Gata...” se mantém íntegra como dramaturgia pela solidez de sua estrutura, sem que acuse os arranhões do tempo. Se na época de sua estreia provocou reações de falso moralismo, a atual revisão confirma as suas melhores características e integridade formal. Eduardo Tolentino de Araujo, coerente com sua trajetória de diretor, é de fidelidade absoluta à palavra do autor e à limpidez de sua expressão. O diretor procura a contraluz dos personagens sob o foco da sua ação real, criando com esse balizamento cênico, uma tensão surda, carregada de subjetividades. Consegue sustentar a atmosfera densa nos longos e, algumas vezes, distendidos confrontos, com minucias de um olhar penetrante. Das poucas intervenções que fogem a este enquadramento, está o cenário de Ana Mara Abreu e Alexandre Toro. Como se concentra no quarto de Maggie e Brick, sob o teto da mansão rural do Paizão, o uso de grandes espelhos que separam o cômodo da varanda, a funcionalidade dos painéis, expandem o confinamento, e comprometem as cenas em que os personagens espreitam. O casal ambicioso Mae e Gooper, interpretado por Fernanda Viacava e André Garolli, é menos satisfatório, permitindo a dupla pouco mais do que explorar o papel de coadjuvante do conflito. Noemi Marinho empresta um ar de submissão calculada à Mãezona, tornando nítido o seu comportamento astucioso. Augusto Zacchi, com alguma semelhança física a Paul Newman, que interpretou o mesmo Brick na versão cinematográfica da peça, em 1958,  dosa silêncios intensos e explosões bem medidas. Zécarlos Machado encontra o equilíbrio entre a virulência, vulgaridade e os sentimentos do Paizão. Bárbara Paez é um Maggie de sensualidade quente, numa transcrição um tanto literal do que prenuncia o título.             

segunda-feira, 18 de julho de 2016

Prêmios

Prêmio Cesgranrio
"Os sonhadores": três indicações

Finalistas do primeiro semestre 

Diretor: Guilherme Weber (“Os realistas”)
             Duda Maia (“Auê”)
             Márcio Abreu (“Nós”)  

Ator: Emilio de Melo (“Os realistas”)
         Matheus Nachtgale (“O processo de conserto do desejo”)
         Álamo Facó (“Mamãe”)

Atriz: Debora Bloch (“Os realistas”)
         Helena Varvaki (“A outra casa”)
         Susana Faini (“O como e o porquê”)

Cenografia: Daniela Thomas e Camila Scmidt (“Os realistas”)
                    Aurora dos Campos (“Os sonhadores”)
                    André Cortez (“Gota d’água – a seco”)
    
Iluminação: Rodrigo Belay (“Os sonhadores”)
                    Maneco Quinderé (“O como e o porquê”)
                    Tomás Ribas (“Fatal”)

Figurino: Kika Lopes (“Gota d’água – a seco”)
               Kika Lopes (“Auê”)
               Luiza Fradin (“Seu eu fosse Iracema”)

Autor: Álamo Facó (“Mamãe”)
          Rodrigo Portela (“Alice mandou um beijo”)
          Diogo Liberano (“Os sonhadores”)

Direção Musical: Pedro Luís (“Gota d’água – a seco”)
                            Alfredo Del-Penho e Beto Lemos (“Auê”)
                            Luís Barcelos (“A cuíca do Laurindo”)

Ator em Musical: Hugo Germano (“A cuíca do Laurindo”)
                            Alexandre Rosa Moreno (“A cuíca do Laurindo”)

Atriz em Musical: Laíra Garin (“Gota d’água – a seco”)

Especial: O elenco de “Auê”
                Wolf Maya pela criação do Teatro Nathalia Timberg
                César Augusto pela curadoria do Galpão da Gamboa

Espetáculo: “Nós”
                    “Mamãe”
                    “Auê”




sábado, 16 de julho de 2016

Sábato Magaldi

Elegância, discrição, rigor e amor ao teatro 
A reunião das críticas de Sábato Magaldi em livro recém-lançado recebeu o título apropriado de “Amor ao teatro”, e não apenas por ter dedicado, dos anos 50 ao final da década de 1980, ao exercício jornalístico de analisar as temporadas do Rio e de São Paulo, mas também pela atuação como professor, ensaísta, espectador obstinado, visionário de carreiras e avalista de tendências. Nas primeiras resenhas, no Diário Carioca, defendeu com desassombro a dramaturgia de Nelson Rodrigues, de quem se tornaria amigo e teórico de sua obra. A opinião sempre fundamentada não excluía os atores populares, dimensionando o anárquico estilo de Dercy Gonçalves ou destacando as qualidades de intérprete de Chico Anysio. O Teatro de Arena e as formulações cênicas de Augusto Boal foram acompanhadas com atentas e desbravadoras reflexões, estendidas a autores, como Jorge Andrade, Plínio Marcos e Maria Adelaide Amaral. O rigor, expresso em escrita límpida e sem concessões aos adjetivos, não sofreu qualquer arranhão no período da ditadura, mesmo quando obrigado a malabarismos verbais para deixar claras as suas ideias. Seu ativismo intelectual o conduz a secretaria municipal de Cultura de São Paulo e o alinha com os debates sobre os modos de produção e o identifica com os movimentos reivindicatórios da classe teatral. Mas mesmo ao se confundir com a ação artística fora dos palcos, mantém a independência e autoridade para apontar “ tremendo equívoco do Teatro Oficina”, e “precário resultado dos espetáculos” nos balanços anuais das temporadas. Sucessor de Décio de Almeida Prado em jornal, foi, ao lado do decano, responsável pela formação da crítica no período da moderna cena nacional, que fixou em obras como “Panorama do teatro brasileiro”.  A aluna Mariângela Alves de Lima, ao comentar suas publicações lembrou que “nos livros de Sábato Magaldi, não existe aquela lassidão digressiva que prejudica boa parte da nossa (de outro modo valiosa) produção acadêmica”. Figura amável, de fala suave e mineiramente matreiro, Sábato anotou, ao longo de décadas de prática profissional, casos de bastidores e detalhes de coxia que sua discrição impôs definitivo ineditismo. A elegância da forma e a acuidade da observação, exercidas com disciplina, ética e nenhuma condescendência, marcaram a impecável atuação de testemunha de mais de 50 anos do teatro brasileiro. A  sinceridade na prática como reflexo da densidade da teoria se resume na sua constatação de que “o amor pelo teatro e a boa-fé são as qualidades primeiras da função do crítico”.     

quarta-feira, 13 de julho de 2016

Temporada 2016

Crítica do Segundo Caderno de O Globo (13/7/2016)

Crítica“Urgente”
Grupo mineiro Luna Lunera conceitua o realismo

A ideia é mixar tempos e metáfora em narrativa com diálogos pretensiosos e dramaturgia desequilibrada. Prédio, em permanente ameaça de ruir, abriga desgarrados do presente, que voltados ao passado perderam o futuro. A chegada de um novo morador e a sua passagem pelas vidas dos demais, anuncia a iminência do desabamento. Os problemas do texto, que avançam para a construção da cena, derivam do descompasso da ação dramática (realista) com a montagem (conceitual). A direção desequilibrou ainda mais a relação desses planos, restando presunções que não se sustentam para além de seu próprio artifício. O espetáculo está, constantemente, a se dissociar da plateia, e não apenas pelo tom sombrio da luz e ritmo claudicante. “Urgente” projeta a imagem de que foi concebida para o público interno, aqueles que o criaram, incapaz de atingir quaisquer outros, que não os manipuladores de seus códigos. Quem assiste é levado a se distanciar de histórias de repressão emocional, embrulhadas em inventiva ambientação sonora, perdida pela banalidade da utilização. O elenco parece compartimentado em uma única forma interpretativa, submetido ao papel de autores e atores, tarefa dupla que se demonstrou irreconciliável.