quarta-feira, 8 de junho de 2016

Temporada 2016

Crítica do Segundo Caderno de O Globo (8/6/2016)

Crítica/ “O corpo da mulher como campo de batalha”
A fragilidade do sentido da linguagem
A guerra, com seu séquito de horrores, destrói corpos, mentes e territórios, deixando feridas insepultas e histórias para não esquecer. “O corpo da mulher como campo de batalha”, do romeno Matéi Visniec, revive uma guerra particular a ser relembrada, que duvida do porquê de contá-la e da capacidade de entende-la. Dorra foi estuprada na Bósnia e Kate, uma voluntária americana, tenta devolver-lhe a vida. Ambas se confundem  nos despojos emocionais deixados no terreno arrasado das contendas. A  purgação das dores está na forma como narram o que parece ser impossível conter com palavras. Mesmo duvidando de que o tempo não cura tudo, e de que não há razão para o absurdo de muitos atos, restam possibilidades redentoras, ainda que apenas para que se continue. Os Balcãs, com suas etnias irreconciliáveis e “povos que nunca tiveram país”, são o cenário da violação do corpo feminino e de valas em que estão enterrados cadáveres da barbárie. A Europa é metaforicamente representada por “um monte de pedras velhas”, sob as quais, neste solo árido, caminha “o homem desesperado pela fragilidade do sentido da linguagem”. O texto de Visniec transita entre esse pano de fundo e o conflito das duas mulheres, confrontadas com  o feminino para além de nacionalidades. A narrativa é construída com o desdobramento do estupro, elemento deflagrador que ganha contornos de um drama pessoal, evoluindo para o painel da guerra, inflexionado pelo final carregado de esperança. O desvendamento progressivo das consequências do ato violador e as ligações com as guerras, pessoais e culturais, se friccionam, não como jogo de contrários, mas como uma partitura para duas vozes, que se conjugam em monólogos. Como em tudo nesta montagem de Fernando Philbert, a cenografia de Natália Lana busca ser essencial na concepção e limpa nos elementos. A iluminação de Vilmar Olos também faz uso de poucos e eficientes recursos. A trilha original de Tato Taborda compõe os comentários à ação. O diretor eliminou o que poderia se tornar supérfluo e reiterativo, em favor de uma leitura simples e direta, que valoriza a palavra como medida da força dramática. Não há exageros, muito menos cenas que sublinhem, para além da contundência do que é dito, a tensão das cenas.  Fernando Philbert demonstra ter se apropriado, sem qualquer arroubo falsamente inventivo, das exigências narrativas. As atrizes seguem, em suas interpretações marcadas pela exibição nítida das personagens, a mesma linha expositiva da direção. Fernanda Nobre sustenta as oscilações emocionais da jovem estuprada, ultrapassando, sem quebras, o desenho definido  de sua atuação. Ester Jablonski com rigor e asceticismo deixa Kate um tanto fria, em contraste com a virulência de algumas de suas descrições.