quarta-feira, 20 de abril de 2016

Temporada 2016

Crítica do Segundo Caderno de O Globo (20/4/2016)

Crítica/ “O como e o porquê”
O feminino em tese e na prática

O texto da americana Sarah Treem poderia se tornar tão inóspito e intrigante como teses científicas que tratam da “teoria da menstruação como defesa” ou da “hipótese da avó”. Como são essas as teorias de duas cientistas, personagens de “O como e o porquê”  que debatem suas investigações com  detalhes de pesquisadoras, o risco de se tornarem enfadonhas é bastante grande. Mas a habilidade da autora, transpõe o limite da demonstração para encontrar a dimensão dramática de ideias, que tratam ainda da condição feminina. Rachel, pós-doutoranda em biologia, visita a doutora Zelda, especialista na mesma área, em busca de subsídios para apoiar a sua investigação. O que a princípio parece consulta científica, se revela algo bem mais íntimo, como o desvendamento de um parentesco conflituado, questões psicológicas que envolvem origens e vaidade e competição como variáveis no rigor do conhecimento. As dúvidas teóricas de Rachel se misturam às existenciais de Zelda, que rebate as contradições pessoais da estudante com revelações que marcam a passagem do tempo, na sua vida, no seu corpo, na sua ciência. Acrescente-se a discussão sobre a mulher como geradora biológica e depositária da cultura do eterno feminino e o arco narrativo se completa. Em forma de diálogo intenso, sem desvios para a ação, concentrada unicamente nas palavras, as personagens ficam frente a frente, em antítese permanente do como diante do porquê. O diretor e cenógrafo Paulo de Moraes utilizou meios econômicos e precisos na construção da passagem de uma voz a outra. A alternância é baseada no que é dito, na expressão própria trazida pela palavra, que o diretor capturou no movimento dos significados, emprestando-lhe o interesse de alcança-la em pleno voo. O cenário simples, com cadeiras em estilos diferentes, distribuídas pelo amplo palco do teatro Ginástico, é iluminado com extrema sensibilidade por Maneco Quinderé. Acompanhando a movimentação das atrizes, concentrando áreas de intimidade, marcando o ritmo das cenas, a luz adquire, não apenas o papel  integrado  ao desenho da montagem, mas a leitura visual do conflito. A tradução sonora de Alice Steinbruck, os figurinos corretos de Desirée Bastos e a certeira trilha sonora original de Bianca Gismonti completam a ficha técnica-artística. As personagens apresentam dificuldades nada desprezíveis às atrizes, desafiadas a se defrontar com um volume de texto a ser projetado como ideia e vivido como emoção. Oscilar nesta gangorra, mantendo a interpretação na centralidade do equilíbrio, é um jogo arriscado de atuação, assumido com coragem por Alice Steinbruck e Suzana Faini. Enquanto Alice revela-se mais à vontade na exposição das teses da doutoranda, Suzana se abriga melhor nos embates mais emocionais da decana, ainda que ambas não deixem escapar, momento algum, o interesse do espectador.