quarta-feira, 23 de março de 2016

Temporada 2016

Crítica do Segundo Caderno de O Globo (23/3/2016)

Crítica/ “A tropa”
O autoritarismo no leito terminal

A área de embate é um quarto de hospital, onde o patriarca da família, em estado terminal, confronta os quatro filhos. Militar e viúvo, revive nestes momentos finais, o comportamento autoritário que aplicou na convivência familiar e na consolidação de suas posições políticas. A prole, ou a tropa, no cacoete profissional paterno, se enquadra em tipificações afetivas que se reúnem para o balanço definitivo. O filho mais velho, dentista militar, vive à sombra do pai, de quem assume culpa indevida. O jornalista, postulante a cineasta, declara a existência de um namorado. O mais jovem está envolvido com drogas, e o executivo, com melhor situação financeira entre todos, envolvido em corrupção. O quadro do conflito entre as certezas paternas e os desmentidos filiais é estabelecido pelo autor Gustavo Pinheiro como um diálogo de contrários, mais do que de contrastes. As afirmações de um, são rebatidas pelos outros, numa maratona verbal, em que os competidores procuram ocupar lugares, e não defender posições. Os extremos não se chocam, apenas expõem-se em linha direta e frontalidade unívoca. Em progressão reveladora, cada um mostra as dissonâncias com o pai e entre eles, mantendo os conflitos no mesmo plano de enfrentamento, que fragiliza os aspectos emocionais, e descolore o painel do entrechoque. Gustavo Pinheiro demonstra neste seu primeiro texto encenado, limpeza técnica que apoia a fiel construção realista com traços definidos e coerência dramática. “A tropa” é sustentada por essa base dramatúrgica correta, ainda que o desenvolvimento narrativo seja pouco flexível. Em texto tão descritivo, o diretor Cesar Augusto buscou a concentração das cenas em sequência ritmada. O espaço horizontal, criado por Bia Junqueira, propõe a convergência da ação a partir do leito do doente, criando proximidade envolvente com a plateia. A iluminação de Adriana Ortiz contribui com essa centralidade, em especial nos quadros em que os personagens evocam o passado. Na opção do diretor, a convivência física é o que faz a intimidade entre os atores e o que constitui o eixo da montagem. Se o patriarca é a presença dominante, são os filhos, que gravitam em torno de sua prepotência, os condutores de seu desvendamento. Ao elenco corresponde encontrar, na coesão interpretativa a individualidade dos personagens, tarefa um tanto difícil para atores ainda pouco experimentados. Alexandre Menezes insinua-se como o primogênito. Edu Fernandes incorpora o corrupto através do figurino. Rafael Morpanini mostra sensibilidade ao projetar a frustração do cineasta sem filme. Daniel Marano não oferece modulações à crise do caçula. Mas é no humor, segurança e autoridade de Otávio Augusto que o espetáculo melhor se realiza.