quarta-feira, 10 de fevereiro de 2016

Temporada 2016

 Crítica do Segundo Caderno de O Globo (10/2/2016)

Crítica/ “Master class”
A intérprete revestida de diva


Terrence McNally demonstra em “Master class” ser um artesão que manipula com habilidade os elementos para construir narrativa com verniz de bom acabamento e pontaria certeira para truques teatrais. A aulas da cantora Maria Callas na Juilliard School de Nova York para alunos avançados, no início de década de 1970, se transformam em material dramático para biografar a artista em fase descendente e a mulher em estado depressivo. Em costura alinhavada de informações da carreira, de traços de temperamento e de fragilidade afetiva, o autor condensa os dados factuais, relacionando-os a árias de ópera que marcaram sua trajetória. Ainda que não seja um monólogo, a atriz que interpreta Callas domina a cena, tornando circunstancial e acessória a presença dos alunos, escadas para o brilho da figura central. McNally demonstra ser cultor da diva, mas que para além da admiração pela soprano, retrata suas carências e desajustes na vida amorosa e a competição com cantoras líricas que ameaçavam sua confiança. O texto se assemelha a reportagem de revista de celebridades, contando detalhes da intimidade, ao mesmo tempo ressaltando as qualidades artísticas, sem ultrapassar o limite da exposição cuidadosa. Cada cena adquire a carga bem dosada que o autor deseja emprestar-lhe. A introdução do trecho de “Medea”, cantada em gravação da própria Maria Callas, é a trilha da dor da sua separação do armador grego Aristóteles Onassis. O caráter irascível e irônico de suas observações é contrabalançado pela exposição das dificuldades da origem e do exercício da disciplina. O diretor José Possi Neto não acreditou muito na forma didática com que McNally apresenta a história, recorrendo a vídeo na abertura que conta em detalhe as passagens da vida da Callas. E para esclarecer dúvidas, o programa do espetáculo traz glossário que relaciona nomes (de Anna Magnani e Gina Lollobrigida a Joan Sutherland a Renata Tebaldi) e óperas (“Norma”, “Tosca”). A montagem se cerca desses apoios como pontos reiterativos de encenação que desconfia de seu alcance e eco na plateia. A narrativa, um tanto repetitiva e ameaçada de quebra de ritmo, é conduzida por Possi como depoimento cênico para celebrar intérprete revivendo diva. E investe neste encontro como o eixo da direção. A cenografia de Renato Theobaldo cria teia branca que, em posição distorcida, desenha sugestiva imagem abstrata. A iluminação de Wagner Freire colore esse painel de fundo. Os figurinos de Fabio Namatame e Claudeteedeca são adequados para Callas e caricaturais para os demais personagens. Juliana Daud, Bianca Tadini, Leandro Lacava e Thiago Rodrigues demonstram melhor capacidade como cantores do que como atores. Com participações restritas a papéis inexpressivos, o elenco de apoio cumpre com disciplina suas funções. Christiane Torloni mantém-se integrada e fiel a composição bem delineada de pequenas modulações para uma Maria Callas de contornos mais acurados e menos histriônicos. A atuação de Christiane Torloni reveste “Master class” de aula de entretenimento.