sábado, 9 de janeiro de 2016

Temporada 2016

 Crítica do Segundo Caderno de O Globo (9/1/2016)

Crítica/“Mamãe”
O filho ilumina as dores da mãe

“Mamãe” é um monólogo tão pessoal quanto é real a experiência do ator Álamo Facó frente aos 100 dias que antecederam a morte da mãe, vitimada por tumor cerebral. E não será apenas o depoimento sobre um estado agônico, mas a transposição de sentimentos vivos a partir de sensações pressentidas. O filho assiste, como espectador ativo, às escaramuças da mãe por manter o sopro de vida que a doença vai apagando, interiorizando em si, aquela que o deixa. No ato de apropriação, as dores mútuas fazem  circular os sofrimentos, expostos pela agravamento da doença e pelo diálogo que constrói unidade afetiva impalpável. Unos nesta conversa, é possível readquirir consciência e reimprimir vontade à margem de diagnósticos definitivos e de tratamentos agressivos. A progressiva simbiose, que se delineia nos sintomas da doença e que se renova na continuidade familiar, é o eixo dramático em torno do qual o autor e ator transfigura vivência em criação. O episódio da doença materna tem o papel de entrada numa área de contornos emocionalmente imprecisos, na qual Álamo Facó atua como personagem verdadeiro. Ao vestir a máscara dupla em uma mesma pessoa, fica livre para explorar a zona difusa de um cérebro que se deteriora e de outro que procura estancar seu esfacelamento. O espaço volátil desta comunicação que liga passado, afetos e cuidados médicos hospitalares, ganha a consistência relevante, às vezes indignada, sempre sincera. A narrativa se mantém no plano das citações ao factual e da investigação de vozes imaginárias, sem ceder à emoção superficial, que um texto conduzido pela intenção de provoca-la, a manipularia de maneira postiça. A emoção é genuína e originária da sensibilidade da dramaturgia, que se confunde com a performance pelo caráter expansivo dos seus meios cênicos. A direção conjunta de Álamo Facó e Cesar Augusto mostra tendência a conciliar o performático e o teatral, em dosagem que favorece os recursos mais tradicionais. A movimentação constante do ator, na tentativa de ativar as cenas, demonstra-se desnecessária diante da potência do texto. Como intérprete, Álamo Facó se mantém nas bordas de uma linha invisível que demarca a força cortante do autor, o distanciamento cauteloso do filho e atuação medida do personagem.