quarta-feira, 13 de janeiro de 2016

Temporada 2016

 Crítica do Segundo Caderno de O Globo (13/1/2016)

Crítica/ “Cara de fogo” 
Olhares incendiários para a família

O alemão Marius von Mayenburg distende um universo familiar aos extremos de seu esfacelamento. O pai é um obsessivo leitor nos jornais de casos de assassinatos de prostitutas. A mãe, uma mulher indiferente e falsamente conciliadora diante da desagregação do seu entorno. A filha vive  uma sexualidade perturbadora e o irmão responde aos desajustes com atitudes incendiárias. Esse quadro expandido de relações exacerbadas, se reveste pelo acúmulo de situações, em crescente e previsíveis desdobramentos, num grand guignol  (show bizarro francês do século19) dramático. A exposição do comportamento se sobrepõe ao adensamento da dramaturgia, entrecortada por cenas curtas e diálogos recorrentes. O eixo narrativo oscila em movimentos pendulares entre a decomposição cultivada pelos membros da família e o destrutivo percurso até a queima total. Há algum maniqueísmo na caracterização dos conflitos, apresentados como veículos de impacto de atitudes incomuns em série.  A direção de Georgette Fadel estabelece ambientação ruidosa para a explosão de painel de imagens sem muito detalhamento. A tensão que paira na superfície, é editada em cortes secos na sequência de fotogramas cênicos, em ritmo expositivo que vence a redundância do entrecho e o desgaste narrativo. A montagem se recria a cada passo, utilizando truques teatrais que ativam a atmosfera e carnavalizam seus efeitos. A cenografia de Aurora dos Campos, confinando o espaço a uma angulação claustrofóbica, amplia, por inversão, as pulsões dos personagens. A luz de Tomás Ribas é decisiva, não só na ambientação, como elemento coparticipante na construção dramática. Do uso de espelho como refrator de impulsos sexuais a claridade mortiça de velas na confissão de culpa, a iluminação complementa a estampa que desfigura a vida doméstica. A destruição desse núcleo se manifesta pelo uso metafórico de ferramentas, que ensaiam aparafusar aos corpos outras conformações emocionais.   Do que a diretora não se desviou foi da intrigante tradução que adota um tratamento na segunda pessoa para as falas do pai, e da forma como inflexiona as palavras da mãe. Isaac Bernat, apesar da maneira postiça a que o pai foi levado a falar, fica no plano mais naturalista de atuação. Mesmo com as entradas intempestivas e barulhentas do vai e vem familiar, o ator permanece coerente com a equidistância do personagem ao que se passa a sua volta. Soraya Ravenle, carrega nos erres e na explicitação das palavras, além de entoar canção e desenhar gestos, numa apropriação da existência frustrada, que resulta na maternidade alienada. Julia Bernat aprisiona na sua figura de adolescente os sentimentos movediços da garota que experimenta descobertas como sensações perigosas. Davi Guilherme percorre com igual corrente de emoção o descolamento do real, em interpretação dedicada, mas de força compactada. A Alexandre Barros resta o papel secundário do namorado bronco.