quarta-feira, 2 de dezembro de 2015

Temporada 2015

Crítica do Segundo Caderno de O Globo (2/12/2015)

Crítica/ “Godspell”
Musical dos anos 70 mostra viço juvenil
O musical do início dos anos 1970 que trata com espírito hippie-circense o evangelho segundo São Matheus prova, tanto tempo depois de sua estreia, que suas canções ritmadas e letras de evocação bíblica se mantêm atraentes. As diversas parábolas que transmitem os ensinamentos de um Cristo convivendo com jovens palhaços-malabaristas de circo bíblico com conotação de paz e amor, revivem uma fase de musicais lastreados pelo desbravador “Hair”. Quatro décadas depois, “Godspell” ganha selo de registro de época e validade na trilha sonora e ainda resiste a novas encenações. A montagem de João Fonseca é a comprovação de que a dramaturgia de Stephen Schwartz e a música de John Michael Tabelak sobreviveram ao tempo, e que respondem com vitalidade a versão renovada e bem cuidada. E essa lufada rejuvenescedora é apresentada com recursos básicos de produção, com elenco ardoroso na sua juventude profissional e inventivo nos jogos cênicos. Os elementos cênicos são pouco mais do cubos de madeira que a movimentação constante do elenco transforma em objetos manipuláveis no compasso das brincadeiras exemplares. Os malabaristas se transformam em grupo de garotos animados pela palavra do mestre, a quem cultuam com o descompromisso e o viço da idade. Na versão de João Fonseca e Rainer Tenente, a integridade original está mantida, mas a agilidade com que alarga os limites do picadeiro para a amplitude da efusão dos apóstolos juvenis, deixa em plano secundário os efeitos corporais do circo exibicionista. Com gírias próprias e críticas oportunas, a adaptação chega a plateia com franca comunicabilidade, sem perder a coesão narrativa. A coreografia de Victor Maia acompanha a marcação precisa das cenas, sempre em ação contínua que não deixa espaços vazios. O quinteto de músicos – Alexandre Queiroz (teclado e regência), Gabriela Alkmin (teclado), Pedro Mota (guitarra e violão), Alana Alberg (baixo) e André Guerra (bateria) – dá bem mais do que conta do recado. É um conjunto que se destaca na qualificada sonoridade do espetáculo. O figurino de Caio Loki equilibra a inspiração riponga com roupas atuais. O elenco de 22 atores atua como um coro harmonizado pela garra de desempenhar o papel de acólitos de uma celebração festiva. Com vozes trabalhadas e vigor corporal têm oportunidades semelhantes de solos, ainda que a melhor participação de cada um, está na capacidade de atuar sob a base sólida do coletivo. Por força do incontornável protagonista como Jesus, Léo Bahia lidera com seu aspecto bonachão o afinado coral. “Godspell” serve também a outra parábola da produção de musicais. Com visíveis restrições de orçamento, longe do falso brilho de cenários e figurino, no rigor de elenco empenhado e no visível cuidado na técnica vocal e interpretativa, esta montagem demonstra que há formas mais simples e criteriosas de encenar musicais.