domingo, 23 de agosto de 2015

Temporada 2015

Crítica do Segundo Caderno de O Globo (23/8/2015)

Crítica/ “Querido Brahms”
Correção bem comportada de amor e loucura 

O trio de músicos, a pianista Clara e os compositores Robert Schumann e Johannes Brahms, se reencontra no momento em que cada um vive as dúvidas de saber como agir e quais os verdadeiros laços que os une. A mulher de Schumann busca conselhos de Brahms para decidir o futuro do marido, que em processo crescente de perda da razão em consequência da sífilis, acaba de tentar o suicídio nas águas do rio Reno, no inverno de 1854. O pedido de ajuda de Clara para decidir se interna ou não Robert, envolve  indisfarçável sedução da mãe de vários filhos, condenada a ser dona de casa, na conquista de Johannes, num triângulo amoroso de lados incompletos. O ambiente e os ciúmes entre compositores, em especial as farpas de Schumann contra Wagner, expõem fragilidades de criadores temperamentais na efervescência do romantismo musical alemão. O texto de José Eduardo Vendramini condensa, em não mais do que 70 minutos, os conflitos desencadeados por relações atormentadas, recriados como extensões ficcionais da veracidade. Fatos reais ganham a precisão de diálogos refinados, decantados de pesquisa sólida, transformada em cenas de milimétrica construção dramática. Mesmo sem encontrar solução para o final, ao desequilibrar o quadro, apresentando descritivamente o futuro dos personagens, não escapa a Vendramini a intenção de uma escrita límpida. O depuramento excessivo é o maior problema da narrativa, que evita sair do eixo da correção. Não há lugar para avanços e ousadias, apenas o de perseguir a trilha do bom acabamento, o que pode ser considerado, tanto mérito quanto estilo. O diretor Tadeu Aguiar transfere, com a disciplina de um seguidor, as características tradicionais do autor em montagem apoiada na palavra como ação interior, subterrânea à trama. Aguiar expande nas duas cenas em que se divide “Querido Brahms”, praticamente dois monólogos centrados em Clara e Schumann, o caráter intimista dos embates, nos quais interfere com a mesma prudência pela exatidão. A cenografia e figurino com atmosfera de época e a criteriosa introdução da música reforçam o aspecto envolvente pretendido pelo diretor. A sensação de que tudo está no seu lugar se reflete também no elenco. Os atores desempenham seus papéis com a disciplinada da correção, sem pretensões de voos interpretativos. Estão, simplesmente, corretos. O Brahms de Olavo Cavalheiro é apenas um ouvinte coadjuvante que surpreende ao cantar o belo lied de Schumann. Carolina Kasting empresta sua beleza e altivez à Carolina, contemplando mais o caráter da platônica sedutora do que da mulher diante da loucura do marido. Werner Schünemann leva um pouco mais adiante e com alguma transgressão os tormentos do decadente Schumann.