sábado, 9 de maio de 2015

Temporada 2015

Crítica do Segundo Caderno de  O Globo (8/5/2015)

Crítica/ Eugênia
Palavras espalhadas por tempos históricos
O monólogo de Miriam Halfim recria um jogo de tempo (“estou morta e estou ótima”) na história de personagem secundário na vida de Dom João VI. Amante do imperador português, com quem teve uma filha, Eugênia de José Menezes é levada, pela necessidade de se manter como figura afastada do monarca e a subsistir a experiências que confrontam épocas. Ao ressuscitá-la, já que sai de sua caixa-túmulo para percorrer memórias póstumas, a autora mistura pesquisa histórica com traços de humor. Apesar de mais organizado do que criativo, o monólogo permitiu ao diretor Sidnei Cruz condicionar a ação aos tempos narrativos, desdobrando palavras em movimentos, desprendendo-se da sequência expositiva. A partir da caixa-túmulo, no eficiente e inventivo desenho de José Dias, a personagem espalha pelo espaço outras tantas caixas, que trazem os acessórios de sua viagem na vida e a bagagem que reveste seu delirante percurso. Tal como cubos-mágicos de faces em cores diferentes, a montagem estende a de cada passo, tonalidades diversas de uma dança ativa que ecoa a voz única em múltiplas sonoridades. A fixidez da narração, que ameaça com a monotonia o desenrolar das cenas, é quebrada com a movimentação contínua da atriz, na intensa preparação corporal de Morena Cattoni e na manipulação dos figurinos e adereços e  maquiagem de Samuel Abranches. Os gestos surgem da própria linha interpretativa e estão integrados à atuação como balé farsesco e atos de bufonaria com que Eugênia veste e despe o colorido figurino. A direção mantém a intensidade dos truques cênicos no limite de um show de variedades, brincando até mesmo com a capacidade da atriz em ingerir substancial volume de água. A iluminação de Aurélio Di Simoni e a música de Beto Lemos complementam a concepção geral. Gisela de Castro sustenta a solidão em cena com a disciplina de intérprete que se empenhou em corresponder às proposições do diretor. Com rosto expressivamente delineado, que acentua sua máscara facial, e com agilidade corporal,  que sustenta sem aparente esforço, Gisela não deixa que o ritmo sofra descontinuidade, mas fica restrita a seguir fisicamente trilha que poderia alcançar maior extensão.