segunda-feira, 27 de abril de 2015

Temporada 2015

Crítica do Segundo Caderno de O Globo (26/4/2015)

Crítica/ Através do Espelho
"Espelho" sem reflexos de atmosfera bergminiana

Baseada em filme de Ingmar Bergman, a versão cênica de “Através do espelho” se distancia do universo do autor, quanto mais deseja captura-lo. A família, que se reúne no verão sueco para encontro em que expectativas são frustradas a cada embate, tem em Karin o eixo deflagrador dos conflitos. Em permanente estado de suspensão, marcada pela morte da mãe e ausência do pai, um escritor medíocre, vive um casamento frustrado com Martin, um homem compreensivo, mas incapaz de ajudá-la. Com o irmão, Max, mantém a tensão no limite transgressor, e é quem provoca o colapso definitivo na sua instabilidade emocional. Esse quadro tensionado  é permeado por desenhos psicológicos típicos da configuração dramática de Bergman. Não é o melhor filme do cineasta sueco e seu desdobramento no palco procura não desfavorecê-lo na transposição. As narrativas de Bergman são apoiadas na interioridade dos personagens e na difícil convivência entre eles, em que o mundo real transforma-se numa ilha de desencontros, fustigada por ondas de incompreensão. Esse universo está intacto na dramaturgia, adaptação e tradução por que passou até a encenação de Ulysses Cruz, aproximando o original mais de ajustes do que de interferências perturbadoras. A montagem, no entanto, desintegra a unidade dramática, identificando ação e trama como linha condutora determinante. O realismo se sobrepõe a quaisquer contrastes e mediações nas atitudes familiares irreconciliáveis com a delirante perda emocional de Karin. A quebra do sentido de realidade, que se manifesta não apenas pela dissociação afetiva, mas também por vozes internas que soam dissonantes, se torna literal, confinada em palavras e gestos que ficam expostos e despojados de suas motivações. A possibilidade estabelecer atmosfera de entrechoque dos sentimentos e adensamento do clima de ruptura, se contrai pelo monocromático desenho das interpretações, que seguem um mesmo e ordenado traço nivelador. O cenário frio de Lu Bueno é aquecido pelas luminárias de gravetos com algum efeito na ambientação. A trilha sonora de Daniel Maia tenta sublinhar, artificialmente, as cenas que imagina de maior tensão. O elenco se ressente da uniformidade que pretende equalizar as atuações, provocando efeito contrário, com cada ator adotando caráter psicológico exteriorizado para seus personagens. Tal opção é mais visível nos atores – Lucas Lentini, Joca Andreazza e Marcosa Suchara – do que na atriz Gabriela Duarte. Disciplinada no empenho de encontrar a correção, Gabriela Duarte transita, perifericamente, com docilidade vocal e presença contida, pelos conflitos da Karin.