segunda-feira, 13 de abril de 2015

Temporada 2015

Crítica do Segundo Caderno de O Globo (12/5/2015)

Crítica/ Madame Bovary 
Teatro romantizado de inspiração flaubertiana
Ao ser publicado em 1857, o romance de Gustave Flaubert foi considerado um escândalo na França pelo seu caráter realista, objeto de processo, ataques moralistas e de acusação de anátema religioso. Razões para tanta reação se explicam pela desvendamento de sentimentos mesquinhos num ambiente provinciano de mentiras, traições e desonestidades. Emma Bovary catalisa com sua insatisfação a mediocridade e as ambições ordinárias à sua volta, pagando com a vida a dívida contraída na paixão da recusa à estupidez. A trama, que pode ser identificada à luz de referências atuais a um novelão de amplo espectro de ganchos e intrigas, na adaptação, tradução e direção (ao lado de Rafaela Amado) de Bruno Lara Resende, é transposta como possibilidade cênica e exploração anti-realista e distanciada da narrativa. Os personagens se recriam na forma como contam o que vivem, revisando o plano literário com realidade teatral. A montagem se realiza pelo jogo de expor e contar. Mais do que impor dramaticidade, encena uma linguagem. Os atores são peças deste jogo e se movimentam articulados com a palavra romanceada, não com o diálogo teatralizado. A cenografia de Marcelo Lipiani se restringe a uma mesa que se integra à ação como elemento complementar da ativa troca de cenas, mantidos os efeitos descritivos de cada uma delas. A iluminação de Renato Machado preenche com as mudanças de cores no painel de fundo e construção de áreas demarcadas, a amplitude do espaço de representação. A música de Antonio Saraiva adensa o clima, e a direção de movimento de Marcia Rubin colabora para o ritmo acentuado. Os cinco atores, alguns se multiplicando em personagens, compõem um elenco coeso na proposta do diretor e na unidade estilística das interpretações. Lourival Prudêncio, com maior facilidade em compor tipos, deixa escapar, ao final, a  crítica candente de Flaubert. Vilma Melo, que se distribui por vários papéis, é uma voz distinta no coro afinado das atuações. Joelson Medeiros imprime tensão corporal para demonstrar a fragilidade do marido. Alcemar Vieira estabelece com o distanciamento do comentário a existência dos seus personagens. Raquel Iantas, talvez seja uma Madame Bovary menos arrebatada e conflituada, o que pode ser atribuído à sua adesão ao caráter exploratório da  linguagem do espetáculo e à tonalidade coletiva das interpretações.