sábado, 11 de abril de 2015

Reverência

Barbara Heliodora 
A crítica como exercício do amor ao teatro
Barbara Heliodora como crítica era, essencialmente, uma espectadora apaixonada e intensa do teatro. Ao lado da sólida formação, do professoral conhecimento da história e da dedicação à obra de Shakespeare, foi da plateia que analisou milhares de espetáculos que a fizeram testemunha e participante da cena brasileira por 55 anos. A frequência e o dever profissional que para ela mantinham o hábito e despertavam o prazer, não deixavam de existir, até mesmo quando, num exercício histriônico de mal humor, brandia sua arma verbal contra a qualidade da maioria do que assistia. Dirigia aos criadores a sua carga teórica  com escrita clara e, muitas vezes, contundente. Informava ao leitor, com adjetivação indicativa, o valor do que acreditava ser “bom teatro”. Nas suas avaliações procurava capturar a natureza efêmera do ato teatral através do que se mostra mais permanente: texto e ator. Devotava ao primado da palavra e a grandeza dos clássicos o seu olhar mais arguto, estendido ao papel de tradutora, exercido com o mesmo rigor e respeito como lia os originais. Admitia, com reservas, a transposição do verso em prosa, e defendia a construção dramática como elemento de relevância absoluta. Odiava monólogos e ao contrário do que se imagina, fazia apostas que resultariam em êxitos. Solitária entre os críticos dos anos 80, anteviu no teatro do besteirol um movimento que arejou a comédia brasileira. Era generosa com os atores a quem admirava com sincero respeito, ainda que severa quando tinha restrições a seus trabalhos. Fernanda Montenegro, a amiga de décadas, se igualava em convivência com Ítalo Rossi e por extensão a Sergio Brito e a Jacqueline Laurence. Esse elenco de amigos se formou a partir da mais entusiástica crítica escrita por Barbara, logo depois e no calor da estreia de “O Mambembe” no Teatro Municipal, em 1959. Ficava extremamente sensibilizada com as agressões que recebia de vaidades contrariadas, mas não se abstinha de discutir os espetáculos no plano das ideias, caso o interlocutor se dispusesse a confrontá-las. O seu humor, de sotaque inglês e verve mineiro-carioca, não aparecia em suas críticas, ácidas, fundamentadas, personalistas, independentes, que se mantiveram por tanto tempo como referência, sempre compartilhadas com o público de seu lugar e percepção privilegiados na plateia.