domingo, 8 de fevereiro de 2015

Temporada 2015

Crítica do Segundo Caderno de O Globo (8/2/2015)

Crítica/ Perdas e Ganhos
Monólogo de falas interiores

O livro de Lya Luft, que adaptado e dirigido por Beth Goulart se tornou monólogo teatral, avalia a passagem do tempo, com suas perdas e danos, refletindo sobre a necessidade de continuar para além das memórias e de se refazer diante dos escombros. Inspirada, não apenas no livro que dá título à montagem, Perdas e Ganhos, mas também em O Silêncio dos Amantes, da mesma autora, Beth Goulart acrescentou situações que deflagram o depoimento existencial de uma mulher. O exercício da sobrevivência emocional, frente a morte de um filho, ao abandono da pessoa amada ou a submissão afetiva, é prática cotidiana que contabiliza o que sobrou e aponta para como prosseguir sem medo do ponto de chegada. Lya Luft empresta carga emotiva aos textos que os fazem parecer mapas indicativos de espaços interiores, respostas e ponderações a momentos de dúvidas e, aparentemente, sem áreas de escape. Esse caráter expositivo de crises, subtrações e vivências dolorosas insinua rumos apaziguadores, como depoimentos exemplares de exploração de novos caminhos. A diretora depura essa emocionalidade sobrecarregada com a valorização da palavra em sua medida literária. Não ultrapassa a forma circunscrita do dizer bem, ao contrário de projetar interpretações que possam conduzir a percepções melodramáticas ou a ideia de manuais de comportamento. É quase um recital dramatizado, com cenário simples de Ronald Teixeira, projeções de Renato e Rico Vilarouca, iluminação de Maneco Quinderé e trilha sonora de Alfredo Sertã. A ambientação no seu despojamento cria as condições para que a atriz, solitária em cena, exponha com dignidade e reverência suas próprias lembranças de ausência e convívio perdido. Nicette Bruno, com emoção controlada pela disciplina e rigor interpretativos, revive em tom levemente confessional a memória de sua perda recente.