quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015

Temporada 2015

Crítica do Segundo Caderno de O Globo (4/2/2015)

 Crítica/ S’imbora, o musical – A história de Wilson Simonal
Show de pilantragem
Os autores desta comédia musical, Nelson Motta e Patrícia Andrade, procuram construir uma narrativa para a biografia do cantor Wilson Simonal, invertendo a ordem cronológica, partindo do “começo do fim”, como anuncia o narrador. É uma tímida tentativa de reordenar o nascimento e decadência de uma carreira, marcada pela acusação de delator durante o período da ditadura, que levou Simonal à prisão e ao ostracismo artístico. Esse fato, que é apresentado no início e retomado no segundo ato, se torna decisivo na trajetória do cantor, por sua origem obscura e efeito devastador. A escalada do garoto da periferia para a popularidade avassaladora até o show no Maracanãzinho lotado, os sucessos das músicas da “pilantragem” e o “swing” e malemolência de sua voz, com algumas referências ao preconceito e ao comportamento de Simonal para os rechaçar, compõem núcleo central do libreto. O roteiro evolui na sequência temporal, narrado por Carlos Imperial, o apresentador que descobriu e, em boa parte, foi o mentor da carreira musical e autor dos maiores êxitos de Simonal, como “Nem vem que não tem”, “Carango” e “Mamãe passou açúcar em mim”.  A dupla de roteiristas criou, com esse pequeno artifício de fazer de Imperial o narrador, uma forma mais dinâmica de desfilar o repertório do cantor. A dramaturgia converge para a trilha musical, e é em sua direção que o biográfico se alinhava, o que é da natureza do gênero musical, mas que nesta versão se sobrepõe ao entrecho para torná-la imperiosa, numa exibição de parada de sucessos em formato de show. Pedro Brício segue, na linearidade de sua direção, a apresentação modular das músicas em alternância com o fio dramático introdutório para cada uma delas. Fugir deste engessamento, tão característico dos musicais não é fácil, mas em “S’imbora” a relação entre os dois planos desfavorece um, para privilegiar o outro. No final, quando se acentua a crise pessoal e a queda da carreira, há melhor integração com a parte musical, encontrando-se atmosfera que equilibra o diálogo entre ambas. Brício dá um tratamento seriado às cenas, com o mesmo padrão coreográfico e visual a todas elas. A cenografia de Helio Eichbauer busca a funcionalidade, que a torna apagada e inexpressiva. O figurino de Marília Carneiro, com qualidade de confecção, recria os modelos das décadas de 60 e 70 com uma fartura de peças que se tornam excessivas. A coreografia de Renato Vieira simplifica e mantém a mesma linha de movimentos. A direção musical e arranjos vocais de Alexandre Elias e o conjunto de oito músicos sustentam com potente volume sonoro as partituras. As duas dezenas de atores desempenham com eficiência, mas sem maior comunicabilidade com a plateia, vários papéis. Quando interpretam figuras conhecidas, parecem caricaturas improvisadas das verdadeiras. O trio – Ariane Souza, Cassia Raquel e Lívia Guerra – se destaca pelas ótimas vozes. Gabriela Carneiro da Cunha compõe Tereza, a mulher de Simonal, recorrendo a troca incessante de figurino. Thelmo Fernandes acentua gestos e atitudes de Carlos Imperial, prejudicando a estratégia envolvente que é desejável a um narrador. Ícaro Silva, com estatura, gingado e tonalidade vocal que se assemelham a Simonal, cumpre com disciplina e empenho o protagonismo.