segunda-feira, 2 de fevereiro de 2015

Temporada 2015

Crítica do Segundo Caderno de O Globo (31/1/2015)

Crítica/Para os que estão em casa
Emoções e afetos artificialmente compartilhados

O que parece aproximar, está levando ao afastamento. Um grupo de amigos, que  intermedia sua convivência através de contatos à distância e em que os sentimentos são filtrados pelas vozes que, de longe, pelo telefone e pelos tão disponíveis meios digitais, chegam depressa, mas são vagarosas na afirmação do que se está, verdadeiramente, compartilhando com o outro. A trama deste texto de Leonardo Netto é baseada no filme “Denise está chamando”, de 1994, quando a velocidade das redes sociais, a disseminação de aplicativos e os efeitos da conectividade ainda não se faziam possíveis para tantos. E como no cinema, Netto se concentra na ligação telefônica, ainda que a partir da mobilidade e imediatismo do celular,  para verificar que se vive a expressão solitária dos afetos. Ex-casal, uma grávida que se revela e uma dupla de desgarrados, todos amigos, uns íntimos, outros circunstanciais, se mantêm em linha direta, impulsionados pelo que recebem do exterior, sem se tocar fisicamente ou enfrentar o cara a cara interior. Uma festa em que os convidados não aparecem ou uma morte em que não há lugar para a emoção dividida como rito coletivo são os extremos desta inter-relação sem trocas aparentes, que prevalecem entre nuvens que não deixam ver as suas formas reais. Leonardo Netto, que também assina a direção, criou com o cenógrafo José Dias e o iluminador Aurélio de Simoni, espaços que individualizam cada um dos personagens, sem que eles se vejam ou contracenem, a não ser pela interatividade do celular. A distribuição espacial desenha, com o auxílio de diálogos ágeis e coloquiais, reproduzindo sensibilidades cotidianas, o mapa da comunicabilidade sem partilha efetiva. Não é fácil acionar esse carrossel de pessoalidades invisíveis e estabelecer  jogo dramático que faça circular o conjunto das peças individuais em volteios que desequilibrem a narrativa. Há quebras e descontinuidade de ritmo, mas são pequenos desvios em entrecho envolvente na sua hora e meia de duração. O elenco feminino – Adassa Martins, Ana Abbot, Beatriz Bertu e Isabel Lobo – leva alguma vantagem em relação aos atores _ Cirillo Luna, João Velho e Renato Livera. As atrizes têm mais oportunidades em papéis de maior destaque. Mas o elenco masculino, que fica em cena em longos períodos de silêncio, marca presença pela integridade interpretativa que imprime à contraluz da ação.