quinta-feira, 7 de agosto de 2014

Temporada 2014

Crítica do Segundo Caderno de O Globo (6,8/2014)

Crítica/ Silêncio!
Segredo familiar colocado em pratos limpos

Na reunião de família judaica, o shabat (celebrar o repouso e a paz no sábado) e a comemoração dos 50 anos de um dos seus membros se transformam em ruidosas revelações que quebram o silêncio da origem. O encontro, marcado pelo ritual da tradição e o desgastante cerimonial das relações familiares, está envolvido pelo mistério do tema de livro que o patriarca planeja escrever e uma de suas netas se encarrega de pesquisar. O segredo, que atinge a cada um e se confunde com história de diáspora, desvenda sentimentos individuais e reunifica identidade coletiva. O texto de Renata Mizrahi ensaia percorrer os laços desatados do passado silenciado, que ao eclodir no presente confronta contradições e consolida as raízes. A narrativa está estabelecida por situação bem definida, personagens caracterizados em traços seguros e diálogos de leveza e naturalidade, à procura de construir o impacto da revelação. A autora converge para a matriarca o ponto de inflexão em torno do qual os conflitos e a unidade familiar se concentram, atuando como veículo do preconceito e  alvo da verdade. Mas a tensão e a subjetividade que comandam as atitudes dos comensais estão mais esboçadas do que efetivamente desenhadas. O tom de humor agridoce e a extensão contida dos embates mantêm a ação na trilha previsível para alcançar a grande cena da palavra finalmente liberada. Ainda que a habilidade da autora em aplainar esse caminho demonstre segurança e domínio dos meios, a explosão da verdade tem menos contundência e impacto a que se propõe. A direção da dupla Renata Mizrahi e Priscila Vidca acentua a divisão dos climas dramáticos que rondam a montagem, ora sugerindo maior adensamento, ora reforçando o humor. A ausência de uma atmosfera mais íntima, melancólica e distanciada, que as diretoras parecem ter evitado, se agrava pela amplitude da arena do Espaço Sesc. O cenário de Nello Marrese na simplicidade de seus poucos elementos  fica solto em meio a área de representação, em que nem mesmo os adereços de uma invisível coxia conseguem delimitar com mais centralidade. A iluminação de Renato Machado abertamente clara e sem variantes, serve mais a exposição do que à ambientação. Susana Faini como a conservadora matriarca traduz em pequenos detalhes e sutis modulações, a exuberância verbal de quem deseja ser a voz única da família. A atriz, numa interpretação refinada, explora com extrema sensibilidade, o silêncio das cenas finais. Jitman Vibranovski, numa composição física detalhada, constrói em progressivos movimentos,  o peso do segredo. Karen Coelho empresta petulância à inquietação da jovem pesquisadora. Gabriela Estevão sustenta a noiva, driblando os contornos adocicados da personagem. Verônica Reis se ressente das restritas cores oferecidas pela mãe reprimida e pelo desconcertante figurino. Alexandre Mofati se restringe a tentar superar a inexpressividade do pai. Vicente Coelho com vigor excessivo rompe com a possibilidade de um final com alguma  intensidade declinante.