segunda-feira, 9 de junho de 2014

Temporada 2014

Crítica do Segundo Caderno de O Globo (4/6/2014)

Crítica/ Relações Aparentes

Comédia inglesa à brasileira
Comédia tipicamente inglesa, com estrutura que lembra o boulevard, gênero genuinamente francês, o texto de Alan Ayckbourn não escapa dos condicionantes de sua origem. E estes são os seus maiores méritos. Ao repetir as chaves de humor e a técnica de abordá-las que compõem narrativa, em que dubiedades, aparência e troca de papéis determinam o percurso do riso, o autor segue a prescrição de como usar, em boa dosagem, produto de consumo bem acondicionado. Dois casais, de faixas de idades diferentes, um jovem e ansioso, e outro, cinquentão e estabelecido, se encontram, por coincidências provocadas por erros de comunicação, em casa no countryside. O fato da garota ser amante do dono da casa, visitada pelo ingênuo namorado, que conhece a esposa e dona de casa dedicada ao marido e ao lar, aciona a trama, numa comédia de erros de pessoas em sequência. De início, Ayckbourn oferece pistas falsas, envolvendo a ação em clima duvidoso, armando a história com elementos que se desvendam ao longo da convivência dos personagens. Ainda que a meio dos mal entendidos o público já perceba o mecanismo das trocas e a óbvia recomposição do final, o que valoriza o texto é alguma ironia e tom espirituoso de raiz britânica. Para nós, muito dessas referências se perdem, o que não nos faz falta, mas reduz o humor às situações que o provocam. Os diretores Ary Coslov e Edson Fieschi parecem ter considerado essa atmosfera inglesa como ponto de partida, mas não a levaram muito adiante. A montagem está fixada  no desenvolvimento da ação, e no abrasileiramento das interpretações dos atores. O cenário de Marcos Flaksman é a mais destacada lembrança de onde e em que tempo teatral se deseja ambientar o espetáculo. Com realismo de detalhes, a cenografia reproduz a fachada de chalé inglês, com pátio, cadeiras e mesa para chás no verão, e indefectível telão pintado com paisagem campestre. Como a ação se passa na década de 60, o figurino de Marília Carneiro se ajusta à época, assim como a trilha sonora, um tanto interveniente demais, de Ary Coslov. No elenco é que se nota a linha mais nacionalizada que os diretores imprimiram à montagem. Frank Borges, demonstrando bom ritmo de comédia, exagera na caracterização do jovem algo obtuso. Tato Gabus Mendes regula os disfarces do amante pela máscara da comédia rasgada. Antonia Frering não consegue projetar a esposa, entre a ingênua e a esperta, senão com rigidez de atuação mecânica. Giselle Batista se apaga na medida em que a garota revela ser apenas o pivô de tudo.