sábado, 26 de outubro de 2013

36ª Semana da Temporada 2013


Cia. Dos Atores no Sesc

Crítica/ Conselho de Classe
Quadro educacional para além de projeções atuais
Jô Bilac se reconcilia com a dramaturgia nesta investida realista na qual fotografa com aguda observação e pertinente sentido crítico o estado agônico da educação. Depois de alguns textos pretensiosamente inovadores, Bilac demonstra em Conselho de Classe a capacidade de escrita escorreita, com domínio da ação e desenho dos personagens que flagra em individualidades, precariedade coletiva. Ao concentrar na quadra de esporte de escola pública de subúrbio, num dia calorento durante as férias, grupo de professores para encontro com enviado da Secretaria de Educação para discutir problemas, muito além dos pedagógicos, o autor captura através dessa pequena humanidade, quadro político-social mais amplo do que os de referências circunstanciais ou de projeções de atualidade. As professoras, das veteranas em fim de carreira às que estimulam e confrontam os alunos, dialogam com o quadro educacional deteriorado como peças vivas, com movimento restritos e perspectivas desiludidas, em terreno arrasado. A narrativa é capaz de refletir a realidade, sem tentar reproduzi-la como ideologia fotográfica e resenha de mazelas. As questões da educação ganham dimensão no individual, refletindo de como situação profissional desvenda o entrechoque de cada uma com o que lhe é dado viver na sala de aula. As personagens são apoiadas por anotações verídicas do autor, como a da professora que complementa o baixo salário com a venda de roupas e cosméticos. Ou da mais velha, esquecida na biblioteca, sobrevivente em quadro que se perpetua há décadas. O cenário humano, tão bem caracterizado por Jô Bilac, se estende à cenografia de Aurora dos Campos, que transforma o espaço cênico num verdadeiro ginásio, com colorido grafite nos tapumes. A direção de Bel Garcia e Susana Ribeiro tira o melhor partido ao dispor do elenco masculino para interpretar papéis femininos. A segurança e rigor com que a dupla equilibra humor e tensão são determinantes para que façam da inversão de gêneros vigoroso elemento da cena. A forma como conduzem o elenco, coeso e intenso, demonstra como o fato das diretoras também serem atrizes pode ter contribuído para que os atores, em conjunto, tivessem desempenhos destacáveis. Leonardo Netto, Paulo Verlings e Thierry Trémouroux estabelecem intensa contracena, ao lado de César Augusto, em atuação extremamente bem construída, e Marcelo Olinto, num dramatismo  cuidadoso e equilibrado.  
       
Crítica/ Laboratorial
Investigando conexões entre pulsões teatrais
LaborAtorial é um experimento atraente e aliciante. O ator Marcelo Valle se debruça sobre as possibilidades de criar autonomia no modo de se inventar artisticamente, num laboratório de formas e de instrumentos que se utilizam do corpo como ponto de convergência da cena. Vídeo, performance, dramaturgia se misturam como linguagem múltipla, centrada no ator como eixo em torno do qual circulam linguagens com a ordenação determinada por instantes teatrais. O espectador é confrontado com a construção do diálogo do intérprete com a sua biografia de criador, com a busca de encontrar meios de estabelecer relações entre linguagens e nas especulações para investigar percursos. A montagem com vídeos de Simon Will e Cesar Augusto, que também dividem a direção e que tem dramaturgia de Diogo Liberano, torna secundárias quaisquer observações sobre questões técnicas (aliás, bem resolvidas na sua artesania) ou interpretativa (Marcelo está de tal modo vinculado à concepção, que sua participação pode ser considerada simbiótica). LaborAtorial mede forças com a arquitetura de conexões (entre linguagens, com a plateia e nas dúvidas que expõe ao longo de menos de uma hora). Projeto previsto para dois desdobramentos, esse princípio promete para o furuto maior adensamento e vislumbra instigante linha investigativa de provocantes pulsões teatrais.
    
Crítica/ Como Estou Hoje
Alinhavando a nudez dos códigos de vestir
A moda é o material sobre o qual se debruça esse solo de Marcelo Olinto, interpretada em seus efeitos socio-culturais. Com texto e direção de João Saldanha, investiga-se a veste como invenção e criadora de hábitos, tanto na maneira como reafirma convenções, quanto despe códigos. Além desse ambicioso espectro, o monólogo abarca referências a estilistas internacionais e cariocas e seu tempo, a questões sobre sexualidade e, aparentemente, a memórias. Saldanha dispersa demais a sua aproximação à moda, mesmo sendo capaz de, em alguns momentos, tocar com sensibilidade a vasta coleção de roupagens. Como Estou Hoje, acaba, tão somente, alinhavando vagas impressões. Na direção, segue o mesmo caminho, exigindo na interpretação do ator, as múltiplas alternativas apontadas pelo texto. A princípio, buscando imprimir movimentação física à atuação, estabelece uma cena coreografada em ritmo um tanto exteriorizado em relação ao que se pretende dizer. Como há a intenção de falar, diretamente, com a plateia, a intensidade distorcida e a falta de uma ação subjetiva não permitem que alcance o diálogo com o espectador. Marcelo Olinto mergulha nesta coreografia cênica com sincero desejo de comunicar um universo que lhe parece ser atraente. O ator com empenho dá voz à palavras que, eventualmente, ficam soltas no ar.

                                                       macksenr@gmail.com