domingo, 7 de julho de 2013

24ª Semana da Temporada 2013


Quatro Autores à Procura da Identidade

Crítica/ Garras Curvas e um Canto Sedutor
Fios e tessituras desencapadas de um novelo narrativo
Daniele Avila Small captura em Garras Curvas e um Canto Sedutor ecos literários que oscilam entre Raymond Carver e Edgard Allan Poe, perseguindo originalidade dramática que estabeleça autonomia narrativa. De Carver, a autora retirou o esboço da trama, enquanto de Poe, a leitura transposta de um dos seus poemas, como se do amálgama das duas fontes retirasse seiva fertilizadora para expressão autoral. A chegada de um homem cego, que diante de um casal – ele, incomodamente instalado em um cotidiano que o acua; ela, enfrentando as tensões de se descobrir – provoca em cada um, de forma enigmática e iluminadora, revelações sobre obscuros objetos dos desejos, ou da falta deles. A princípio, de maneira comum, em seguida, em progressão bem construída, o texto cria envolvência pendular, entre algum mistério e certa aura literária. A montagem dirigida por Felipe Vidal se apropria, parcialmente, do exíguo espaço do Porão da Laura Alvim, menos como solução cenográfica, e mais como distância do adensamento intimista. Mesmo com interpretações cuidadosamente integradas a um ritmo ralentado, Vidal sugere alguma hesitação em investir na densidade de atuações mais abstratas, sem tantas conotações concretas. Ainda que desejasse acentuar o contraponto (real e ficcional), a direção desata e instiga aquém dos emaranhados fios e tessituras do novelo do texto. Leandro Daniel Colombo se mostra mais à vontade nas hesitações iniciais do personagem do que na conversa com o hóspede cego. Ângela Câmara expõe, em parte, as dualidades da anfitriã. Rafael Sieg, com firme e modulada voz, se aproxima do aspecto sedutor das intervenções do cego.

     
Crítica/ Os Sapos
 
A descarga elétrica das relações de afeto
Renata Mizrahi, autora desta texto realista em cartaz no Galpão de Artes do Espaço Tom Jobim, desenvolve através de um casal, isolado em uma casa de campo, as contradições emocionais que se revelam quando da chegada de inesperada visitante que deflagra latentes disfunções. Ao casal morador, junta-se um casal vizinho, que também é atingido por essa hóspede, que cobra, metaforicamente, as diárias afetivas que cada um deles paga aos pares. Com um diálogo afiado e natural (os personagens falam com a fluência do coloquial), a ação vai revelando o subterrâneo de relações contraditórias, emocionalmente inconclusas, cuja agente é esta visitante que desencapa o fio que leva à descarga elétrica. Os sapos do título são referências aos intrusos anfíbios que aparecem, inoportunamente em cômodos da casa, tal como a mulher que chega para desarrumar a aparente ordem. Mizrahi domina nesta narrativa a escrita dramática, ao mesmo tempo em que demonstra segurança no desenvolvimento de uma trama realista. A direção da autora e de Priscila Vidca apoia, decisivamente, o caráter realista da cena, não só no cenário campestre de Nello Marrese e Lorena Lima, como na linha interpretativa do elenco. A quebra que se estabelece com a presença permanente dos atores no espaço da representação – ficam sentados nas laterais, à espera de entrar em cena – contribui para que a naturalidade dos diálogos ganhe revigorada espontaneidade. Gisela Castro, intensa, Verônica Reis, difusa, Paula Sandroni, rígida, Ricardo Gonçalves, solto, e Peter Boos, arrebatado, compõem quadro à serviço de uma montagem que pretende não ir muito além de contar bem uma história.       

Crítica/ As Horas Entre Nós
Desajuste do tempo que separa intimismo de política
Joelson Gusson, que assina a direção e adaptação do romance Mrs. Dalloway, de Virginia Woolf, em cartaz no Teatro Glaucio Gill, foi de certa maneira ousado nesta transposição para o palco. Afinal, transfere para o Brasil do período da ditadura e para a crise política e a fricção social dos anos 70 a ação de uma narrativa, profundamente intimista, de sentimentos sutis, submersos em ambiente psicológico. A estrutura do romance condensa em um único dia uma festa o que a memória de grupo de amigos traz de outro tempo, o da convivência da juventude. Sentimentos que envolvem o que se é hoje, o que se quis no passado, que julgamento se faz do que se viveu e ao que existência os conduz, perpassam a narrativa de Virginia Woolf, construindo universo descompassos e incontornáveis dependências. A adaptação se distancia desta atmosfera, sem alcançar autonomia da ambientação sócio-política. Há uma superposição de  escalas narrativas, que retiram do original sua característica e enfraquecendo o caráter próprio        do que lhe foi imposto. Não se trata de uma questão de fidelidade, mas de desajuste desta cenarização, que acaba por se restringir, tão somente, ao empréstimo da trama original. Esse descompasso pode ser constatado quando o personagem Septimus, que é bastante bem delineado na sua esquizofrenia existencial, recorre à leitura do livro para se tornar menos dissociado da volubilidade dos demais papéis reescritos pelo adaptador. Na direção, Joelson Gusson foi pouco além da ideia da sua cenografia, que ao utilizar a circularidade de um grande sofá, parece ter se acomodado à solução das passagens de tempo. A falta de atmosfera, a original e a imposta, deixa ainda mais à mostra as fraturas da postiça transposição. Os atores – Carolina Ferman, Cristina Flores, Cris Larin, Joelson Gusson, Leonardo Corajo e Lucas Gouvêa – refletem em suas interpretações as dissonantes e vagas proposições trazidas pela adaptação.    

Crítica/ Como Nossos Pais
Fotografia editada dos conflitos de pai e filho 
Pedro Neschling é o autor, ator e diretor desta montagem em cartaz no Centro Cultural da Justiça Federal, demonstrando domínio em texto com registro realista, com toques melodramáticos e sociais. A trama fotografa a relação de um pai, de origem humildade e que se transforma em poderoso empresário, com o filho carente de atenção. A presença de uma namorada e do filho de uma antiga empregada interfere no jogo de afetos entre pai e filho, em que o papel de ambos  contribui para impulsionar a ação. É uma narrativa escorreita, bem roteirizada, seguindo padrão de escrita que não esconde a lembrança de seriados de televisão e o cuidado de não ultrapassar certos parâmetros dramáticos. Manter-se dentro de algumas convenções, restringe o texto ao bom mocismo e a acomodação do final, além de enfraquecer a agilidade dos diálogos. Na direção, Neschling buscou imprimir dinâmica às cenas curtas, quase quadros, que compõem imagens editadas para um veículo visual. A cenografia de Flavio Graff acentua o aspecto de corte, restringindo ao meio corpo a figura dos atores em cena, como se os totens iluminados que se distribuem pelo palco, definissem e buscassem closes. Isio Ghelman, como o pai, revela mais afinidade com o confessional das revelações da primeira cena, do que na mudança pela qual o personagem atravessa. Pedro Neschling, como o filho, apesar de ser o autor e, portanto ter intimidade com a sua criatura, tem interpretação apagada. Fabrício Santiago compõe, tanto física como emocionalmente, as contradições das injustas relações sociais. Vitória Frate não supera com empenho e beleza a relativa inexpressividade da personagem da patricinha.     
     
                                                          macksenr@gmail.com