segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

3ª Semana da Temporada 2013


Olhares Femininos

Crítica/ O Lugar Escuro
Crônica afetiva de sentimentos contraditórios
O ponto impenetrável em que a consciência vai se apagando conduz a lugar escuro, lá onde o passado aparece em momentos, o presente se reduz a instantes e o futuro se dilui no vazio. Para os que se defrontam com esse processo de afastamento da vida, os movimentos são, de início, de incompreensão, para depois se transformarem em impaciência, até atingir a dolorosa certeza da aceitação. Deste mundo que se perde é o que trata O Lugar Escuro, em cartaz no Espaço Sesc, adaptado do livro de Heloisa Seixas, no qual três mulheres, avó, mãe e filha, convivem com o desgastante mal de Alzheimer que assola a mais velha. Há muito de sinceridade no depoimento carregado de carga emocional da autora, que expõe a crueza da doença como reflexo naqueles que assistem e convivem com a desagregação como algo que se tem que enfrentar. A narrativa é da perspectiva da filha, que incorpora em si sentimentos mutáveis, alguns contraditórios, outros incontornáveis, todos carregados de afeto interposto por reações de verdade humana. A autora, no entanto, manteve a narrativa num plano suave, sem expor muito as personagens, preferindo concentrar-se nos da filha, reduzindo a neta a um contraponto dramático frágil e a mãe a um desenho esquemático. Ainda que falte maior dimensão ao texto, a própria temática e o cuidado com que Heloisa Seixas o tratou levam o espectador a aderir à montagem. Sem apelos emotivos e firulas melodramáticas, a direção de André Paes Leme segue o despojamento da peça, evitando acrescentar-lhe qualquer outro detalhe que o desvie da crônica afetiva. Simples, contido e intimista, o espetáculo fica um tanto esgarçado na circunferência ampla arena, que o pequeno cenário de Carlos Alberto Nunes (dois cubos encaixados) só amplia. A luz de Renato Machado procura preencher o vazio da área de representação, com algum resultado. O diretor, que distribui as atrizes em constante movimentação pelo espaço, atribui à personagem portadora da doença, circulação ativa que contrasta com o estático do Alzheimer. Clarice Niskier mantém em atuação marcada pela tom narrativo a característica proposta pelo texto. Laila Zaid, mesmo com personagem tão diluída, tem presença delicada. Camila Amado evita carregar em quaisquer dos sinais exteriores que poderiam apoiar a sua interpretação, para traduzir a perplexidade das perdas e das dificuldades de alcançar a hora do descanso definitivo com minúsculos recursos de vasto repertório.      

Crítica/ O Teatro É Uma Mulher
Quatro faces da geometria das mulheres
Rodrigo Nogueira quis fazer do teatro, mulher, na peça em cartaz no Teatro Ipanema. Para tanto criou narrativa que desarma a linearidade e o tempo para misturar truques de cena com artimanhas femininas. Com habilidade e domínio da escrita, o autor aproxima técnica e gênero, reunindo situações que revelem alguns papéis que elas desempenham, individual e socialmente. Filha se mostra rejeitada diante de mãe política e profissionalmente comprometida, que por sua vez abandona a amante e rouba o marido da amiga. São atitudes, não exclusivas de mulheres, que Rodrigo Nogueira alinha ao eterno teatral, com algo de vaudeville e pitadas de melodrama, vivenciado por quatro atrizes. O autor constrói trama que se desenrola em faces de figura geométrica, propondo à plateia que percorra cada uma delas num percurso de estranhamento que se conclui pela percepção do caminho. Curiosa e envolvente, a peça na versão cênica, assinada pelo autor, amplia os seus melhores aspectos em montagem fluente e equilibrada. A cenografia de Aurora dos Campos e a iluminação de Daniela Sanchez funcionam, ainda que o figurino de Gabriela Campos seja característico demais na procura de definir as personagens. No quarteto do elenco, Alessandra Colasanti sobrecarrega na ambiguidade da amante, enquanto Luciana Borghi intensifica a dramaticidade da filha. Raquel Rocha dosa muito bem o humor da mulher traída. O maior destaque é o de Malu Valle, não só pelo papel centralizador como pelas transformações por que passa a personagem.     
                    
                                                      macksenr@gmail.com