segunda-feira, 15 de outubro de 2012

Festivais


Tempo

O Tempo Festival, que pelo terceiro ano ocupa o espaço até então vazio de mostras de artes cênicas no Rio, prova que preenche mais do que áreas abandonadas, configurando fronteiras expressivas que vão além de limites teatrais. Nesta curta e iniciante trajetória, o Tempo persegue a confluência e a multiplicidade, procura medir a temperatura criativa, detectar perspectivas, apostar na inquietação, propor tendências, sem quaisquer dogmatismos estéticos e ajustamentos impositivos à contemporaneidade. A programação reflui por entre teatro, música, dança, artes plásticas, tecnologia e arte urbana, em interseção de caminhos que conduzem a incompletudes, dúvidas, experimentações, incertezas, desafios e diálogos. Nesta conversa entre linguagens, o festival captura pulsações criativas, oferecendo ao espectador possibilidades de partilhar ideias e vivenciar experimentações de espetáculos que estão, invariavelmente, em busca de emprestar significações à arte. Nesta edição, o Tempo, além da presença do Recorte da Cena Holandesa, abrigou as estreias de espetáculos nacionais (Depois da Queda, Cine-Gaivota, Noites Brancas) e trouxe a espanhola Angelica Liddell com seu perturbador Eu Não Sou Bonita e o francês Vincent Macaigne com a antecipação, com elenco brasileiro, da montagem de As Três Irmãs, de Tchecov (A Partir das Três Irmãs), que estreia em 2013 no Festival de Avignon.   

Ficção: dança de códigos entre palco e platéia
Recém estreado em São Paulo e integrante da programação do Tempo, que prossegue em temporada no Oi Futuro do Flamengo até o final do mês, Ficção, da Cia. Hiato, a mesma que montou o elogiado O Jardim, distende a relação entre o modo de viver (o real) e os meios de criar (a arte) para tocar as proximidades da verdade e da mentira, do ator e personagem, da platéia e palco. O diretor Leonardo Moreira ensaia demarcar fragmentos da vida dos atores do grupo traduzidos em individualizados projetos cênicos. Em seis solos, cada um deles depõe sobre algum momento de suas existências, emprestando invólucro teatral à realidade do vivido, despistando pela ficção dos truques cênicos a mecânica do funcionamento do que é e do que não é. Os atores falam de si, da relação com parentes, das dores nas relações afetivas, confundindo o biográfico com o encenado, transformando em falso o que foi retirado do verdadeiro. Os relatos não são documentos dramáticos ou depoimentos emotivos, mas pretexto para se estabelecer ficções teatrais, formas de apropriação de linguagens que servem à montagem de um vácuo expressivo. Ficção preenche a distância proposta pelo hiato (não é à toa que a companhia adotou esse nome) e pelas aspas (reinvenção das vivências), numa intensa troca de códigos dos que estão no palco com aqueles que estão na plateia.
Pjotr: música ambientada ao ar livre
A integração entre música e teatro se realiza em A Partir de Agora Seu Nome é Pjotr, espetáculo vindo da Holanda, através de ambientação ao ar livre, que na apresentação no Rio aconteceu nos jardins do Parque Lage num agradável ensolarado fim de tarde.  Seis mulheres, vestidas de uniformes de trabalho, diante de máquinas de costura, repetem gestos na confecção de roupas para soldados, trabalhadoras na retaguarda de alguma guerra em que lutam maridos e filhos. Movimentos seriados de descarregar fardos e repetir ações continuamente fazem destas operárias depositárias de resíduos de lutas, figuras secundárias de acontecimento que lhes escapa pela grandeza com que atinge suas vidas. Com poucas palavras e pedaços de drama, o espetáculo por ter como cenário área aberta, com chão de terra e árvores como envolvência, criam-se contrastes, não somente pelo espaço físico como também pela economia de palavras, compassada gesticulação e penetrante música. As seis atrizes-instrumentistas são excelentes musicistas, trazendo à cena interpretações arrebatadoras de quarteto de cordas de Schubert, sonatas de Zoltan Kodály e Eugene Ysaÿe, tornando a montagem belo recital de ótima música, no qual o teatro se instala como um elemento cenográfico.
Alabama: pastelão à moda sulista 
 Alabama Chrone é um espetáculo muito peculiar, tanto por sua origem, quanto por sua concepção. Três atores-músicos empreendem viagem cômico-sonora pelo Sul dos Estados Unidos. Cowboys pós-modernos percorrem musicalmente, ao som de rock, blues e country, essa paragens geográfica. Esses Três Patetas (The Three Stooges), simulacros do grupo cômico do cinema americano, especializado em comédia pastelão e humor físico, já entram em cena quebrando o cenário e se dividindo entre números musicais e cortinas humorísticas, em que recorrem ao humor rasgado, capturando, aqui e ali, figuras vagamente solitárias e desenraizada. O grupo se intitula de Os Sadistas, que é mais uma designação de efeito do que conceituação para apoiar o que realizam em cena. Neste show musical, a dramatização parece tão somente pretexto para a exibição dos músicos, travestidos de bufões para ocupar os intervalos entre as canções. A música não é tratada dramaturgicamente, como parece querer fazer acreditar os intérpretes, afinal esses performers de poucos recursos, acabam por interferir na qualidade de músicos do trio. A música é o que Alabama Chrone tem de melhor.
   
                                                  macksenr@gmail.com