segunda-feira, 1 de outubro de 2012

34ª Semana da Temporada 2012


Monólogos da Vida Contemporânea

Crítica/ A Arte e a Maneira de Abordar seu Chefe Para Pedir Aumento
Marco Nanini exercita a afinação de seus instrumentos interpretativos
O francês George Perec, autor do texto em cena no Centro Cultural dos Correios, é um manipulador de palavras, que as combina com efeitos verbais em série para desestruturar seus significados. Nesta preleção, exposta em vários módulos e meios de se vocalizar um pedido, Perec acomoda em repetidas formas de uma mesma situação, tornando-a única. Chegar ao chefe com a reivindicação de aumento multiplica-se na oferta de várias possibilidades de o fazer, condicionando-as às constantes mudanças do ambiente e expondo-as às diversas circunstâncias, desde a probabilidade do patrão não estar na sala no momento, até a reação receptiva ou negativa da demanda. A sucessão de fatores, possíveis ou hipotéticos, impertinentes ou tímidos, agressivos ou derrotados, é submetida à inclemência do tempo, que determina a medida real da evolução narrativa. Perec faz crítica ao corporativismo empresarial e ao poder de desgastar o material humano na engrenagem industrial. O seu humor, construído a partir de organização sequencial de palavras e situações redundantes, ao chegar ao palco se oferece generosamente como material a um intérprete com recursos expressivos sofisticados e domínio das nuances e flexibilidades verbais de discurso veloz e intenso. A montagem de Guel Arraes contou com ator capaz de atender à respiração sôfrega de texto armado como jogo de peças semelhantes em tabuleiro escorregadiço. O diretor se cercou, além da certeira escolha do intérprete, de ótima tradução de José Almino, inteligente direção de arte e cenografia de Bia Junqueira, do bom acabamento do vídeografismo de Batman Zavarezet, da precisa iluminação de Beto Bruel e da música de Berna Ceppas. Estabelecida a ambientação técnica, restou ao diretor propiciar a Marco Nanini as condições para que esse leão de força teatral se lance à arena, esgrimando as palavras com as suas melhores armas. Ao contrário do que se assiste em grande parte dos monólogos, em que os atores praticam exercício pendular de histrionismo e vaidade, Nanini pratica exercício de afinação de seus instrumentos interpretativos. Não há excessos, sobras ou gorduras em sua atuação, tão somente detalhamento, sutileza e elegância, agilidade e gradativa mudança de tons e de dosagens. Meios capazes de oferecer em toda a extensão o humor, a ironia e a difusa melancolia de Perec. Um trabalho de extraordinário contorno expressivo e fina essência interpretativa.

        
Crítica/ Ausência
Luis Melo enfrenta a luta pelo gesto poético
O monólogo com Luis Melo, em cena no Teatro Sesc Ginástico deve ser avaliado como produção do grupo Dos à Deux com ator que não pertence a companhia. É um convidado. O trabalho desse grupo, que nasceu na França e só recentemente se radicou no Rio, mantém estreita ligação com Paris, a cidade em que foi fundado em 1990. André Curti e Artur Ribeiro construíram estética teatral em que a palavra é eliminada e o corpo, através do gesto teatral, se impõe como a própria narrativa. Ao longo de mais de duas décadas e de quase uma dezena de espetáculos, o Dos à Deux  
mantém suas características com montagens que têm recebido merecido reconhecimento. Ausência, com a participação de um ator, essencialmente, dramático, senão desvia o grupo do seu caminho, ao que parece segue outra trilha. Em cena estão a mesma criação de imagens e a cenografia como instalação plástica, o que talvez falte seja o ajuste do intérprete à linguagem artística-gestual. E não se deve atribuir somente ao ator tal desajuste, mas igualmente à concepção geral, que não alcança suas projetadas idéias. A começar pela narrativa, que a julgar apenas pelo que se vê em cena, não pode ser inteiramente situada, a não ser que se leia a sinopse no programa. O homem solitário que vive numa metrópole num futuro não muito distante, é acossado por epidemias de ratos, falta de ar e água, vivendo num cômodo semidestruído na companhia de um peixe de aquário. O cenário de Fernando Mello da Costa, um emaranhado de canos velhos e de engenhocas várias, tem desenho funcional e inventivo, mas é, justamente, esse penetrável que sufoca a montagem. Luis Melo, em movimentos lentos e gestos, ora contidos, ora expandidos, percorre esse ambiente como se estivesse mecanizando as ações. O gesto não se desenha, é rígido, voltado para procurar a função, e não dramatizá-la. Não se quer o ator como mímico, mas que empreste ao corpo a representação que pede a ausência da palavra. São movimentos que não se explicam, em que a dramaticidade se concentra na execução (matar os ratos, construir figura feminina com os despojos de que dispõe), sem que transmita a tensão de quem vive um fim, sobrevivente de uma catástrofe. Até mesmo nas cenas mais poéticas (o final e a convivência com o peixe), o ator não encontra maior intimidade com o estilo da dupla de diretores da Dos à  Deux.     

                                                macksenr@gmail.com