quarta-feira, 25 de julho de 2012

26ª Semana da Temporada 2012


Crítica/ O Livro de Itens do Paciente Estevão
Ser ou não ser um nome 
A cena se constrói a partir do romance do americano Sam Lipsyt, em que um homem, herói anônimo do nosso tempo, é diagnosticado com doença terminal para qual há o diagnóstico (a morte), mas da qual ninguém ainda morreu, por que desconhecida. O mal que persegue esse homem, chamado Estevão, ainda que seu nome não seja este e nem qualquer outro que se fique sabendo, não aceita desaparecer sem razões justificáveis para a ausência de cura. Vai à procura de curar-se por que meios que personagem de saga contemporânea imagina possível: a seita que recupera, violenta e cruelmente, almas, e a estúdio multimídia de roteiros de reality shows. O que acomete Estevão, ou que lhe atribuem como desígnio fatal, poderá ser a inevitabilidade da finitude da condição humana ou doenças sociais com que a atualidade nos contamina? Não há respostas, mas tão somente a peregrinação de indivíduo de uma época de interrogações pelo mundo das sensações, trituradas pela banalidade. Perder a mulher, matricular a filha na Escola Para Crianças sem Afeto, ser enquadrado na legião daqueles que sentem “falta generalizada de propósitos de viver” e ouvir correções semânticas que atualizam o conceito de prostituição como “compartilhamento de experiências”, são reflexos do cenário que ambienta da vida do inominado Estevão. Ao anotar os itens do seu mergulho em direção à fuga da condenação, experimenta remédios que o mundo fracionado por diluições e a fatuidade da cultura pop oferecem a tantas insatisfações normatizadas. A saga que retrata Estevão com anti-herói de sua época, contraponto de um Hamlet ocasional, idiota de vaga lembrança literária, mamute existencial em vias de extinção, é representação de vítima condenada por veredictos coletivos. Felipe Hirsch mergulhou neste percurso com igual intensidade com que se identifica com a cultura pop, através da música e da fixação por listagens, e pelo uso de múltiplos recursos cênicos que dialogam com a ambiente desse universo. Na exploração da linguagem, seja reduzida à necessidade significar pela atribuição de nomes (“estou lixando para o nome. Só quero viver”) , seja ao ampliar os meandros da expressão cênica para inflar de estilos a tragicomédia de anestesiados sentidos, o diretor não economiza recursos. Generoso no tempo (são cinco horas de duração), excessivo na arquitetura (integra a tecnologia com elemento pulsante da cena), contido na facilitação (explora com extensiva liberdade a sua criação), anárquico no rigor (multiplica estilos para uniformizar inquietações), a montagem se propõe como fruição, túnel iluminado por vários faróis do qual se sai com envolvente percepção de que o teatro instiga, provoca e se revigora constantemente. E para nos lembrar que os túneis cortam montanhas para abrir passagem.

                                                   macksenr@gmail.com