sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

Um Renovador em Dois Volumes


Livros/ Ziembinski e o Teatro Brasileiro / Ziembinski – Mestre do Palco
Teatro sem ponto, cambista e claque
O ator e diretor polonês Zbigniev Ziembinski, responsável pelo ponto de partida do moderno teatro brasileiro, pode ser um pouco mais conhecido com dois livros que biografam e ilustram a sua carreira de 47 anos de teatro, 32 dos quais no Brasil. Ziembinski e o Teatro Brasileiro, de Yan Michalski (Hucitec), e Ziembinski – Mestre do Palco, de Antônio Gilberto, percorrem com fôlego e pretensões diversas a trajetória deste renovador do espetáculo nacional, que a classe teatral conhecia, abrasileiradamente, como Zimba. Foi ele que introduziu o conceito de encenação na prática teatral das companhias dos anos 40, até então dominadas por primeiros atores, prosódia portuguesa e meros ensaiadores. Yan mergulha na história pessoal do conterrâneo, da infância à vida teatral no seu país, até a fuga da Polônia, depois da invasão alemã em 1941, à chegada ao Brasil, aos 33 anos, onde viveu até a morte, em 1978. Destaca ainda o papel que desempenhou no teatro brasileiro ao longo de sua carreira. É um livro detalhado, com a autoridade de quem acompanhou como crítico as mudanças que Ziembinsk provocou e sofreu na nossa cena. São mais de 500 páginas que ampliam o conceito de biografia para se estender como reportagem analítica de uma existência e vida profissional. Já Antônio Gilberto reúne, cronologicamente, em fotos preciosas das montagens dirigidas por Ziembiski, a partir de sua estréia em Vestido de Noiva, em 1943, de sua passagem pelo Teatro Brasileiro de Comédia, Teatro Cacilda Becker e por outras em produções comerciais do fim da vida. As fotos são introduzidas pelos programas dos espetáculos e pelos textos do próprio Zimba, que se utiliza desde veículo para explicar suas concepções. Esses programas trazem informações, aparentemente secundárias, mas que registram as transformações que o encenador introduziu entre nós. No programa de A Rainha Morta, o clássico de Montherlant, que Ziembinski dirigiu em 1947, com cenário de Santa Rosa, há a advertência: “ No teatro de Os Comediantes não há ponto, não há cambista, não há claque”. Ziembinski está tão associado à modernidade do palco brasileiro, que seu nome é quase uma coautoria com o de Nelson Rodrigues na peça que inaugurou uma nova fase evolutiva da encenação e dramaturgia nacionais. Foi Ziembinski que insistiu para que Vestido de Noiva do então jornalista Nelson Rodrigues, chegasse ao palco do Teatro Municiapl em dezembro de 1943. A peça era, por todas as razões – e a maior delas, pela insuspeitada capacidade do autor de elaborar tão sofisticada estrutura narrativa – um desafio assustador a qualquer encenador de então. O escândalo da temática, que confrontava em níveis de realidade, inconsciência e onirismo, paixões de irmãs por um mesmo homem e fantasias com prostitutas, e a originalidade da escrita, alternando tempos e vozes narrativas em cortes bruscos e diálogos curtos e afiados, lançavam uma complexidade ao panorama teatral da época que, somente a firmeza de Ziembinski conseguiria sustentar. A compreensão por um polonês de peça de um brasileiro que provocou tanta estranheza nos seus contemporâneos se explica pela abordagem quase mítica que adotou. 
Os registros da encenação, que ele reproduziria numa cópia fiel à original em remontagem de 1975, mostram que Ziembinski desenvolveu adesão absoluta à mecânica da peça, de tal maneira que pode ser considerado um coautor de Vestido de Noiva. Não só pela inúmeras sugestões que apresentou a Nelson ao longo dos exaustivos e exigentes ensaios, como pela apropriação da então complexa intrincada estrutura do texto. Os ensaios se estendiam por mais de dez horas diárias, por intermináveis meses. A cenografia, que exigia concepção antirealista, foi laboriosamente desenhada por Santa Rosa, sob supervisão direta de Zimba. A iluminação, um ítem praticamente inexistente no teatro daquela década, conhece a novidade de 300 efeitos de luz criados pelo próprio Ziembinski. A repercussão histórica da montagem transcende às críticas de que Ziembinski traduziu, tardiamente, o expressionismo alemão para os palcos brasileiros e supera a contestação da teatralidade vigorosa da tradição cênica polonesa, além dos indefectíveis pausas longas que impunha aos atores. Mas histórico ou artístico, o fato é que Ziembinski tornou possível com Vestido de Noiva uma conjugação cultural que sacudiu o teatro brasileiro, derrubando uma estrutura envelhecida e revelando as possibilidades criativas nacionais. Ziembinski voltaria outras vezes a Nelson, com resultados de menor e nenhum impacto. Se a experiência do ator Ziembinski de interpretar um bicheiro em O Boca de Ouro adensou a distância cultural entre o polonês naturalizado (13 anos depois de sua chegada) que nunca perdeu o sotaque, e a tragédia carioca, o diretor Ziembinki foi, especialmente bem-sucedido em Toda Nudez Será Castigada com a colaboração de um elenco inesquecível: . encenação que trazia o espírito, mais solto e arrebatado do autor, filtrado pelo temepramento amadurecido do diretor.

                                 macksenr@gmail.com