terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

6ª Semana da Temporada 2012



Autores Brasileiros em Cena no CCBB


Crítica/ A Mecânica das Borboletas
Rômulo e Remo na fundação de lutas familiares 
Walter Daguerre, autor deste texto em cartaz no Teatro I, iniciou a desenhar seu universo dramatúrgico através de adaptações e obras de encomenda, que sempre realizou com bom artesanato. Mas sua expressão própria está em pleno processo de construção, e A Mecânica das Borboletas é resultado e fixação de vôos mais autônomos. Num estância sulista, família mostra a sua desagregação depois da partida do inquieto filho, que vai em busca de material e vivência para sua literatura, o que lhe parece impossível adquirir no solitário rincão. O seu irmão gêmeo, também com ideais (sair de moto pela América Latina, reproduzindo o percurso de Guevara), permanece junto aos pais, e esquece seus planos, para acompanhar a decadência paterna, a demência da mãe, e casar com a ex-namorada daquele que partiu. Responsável por atingir cada membro do clã com seu desejo de liberdade, Rômulo, o irmão fundador das mortes familiares, volta depois de anos para reencontrar, na origem, o que lhe falta como sustentação para prosseguir a escrever. Com a volta atinge cada um dos sobreviventes à sua partida, acionando a mecânica de um lirismo psicológico. No intento de desenvolver situação básica com contornos de veracidade, Daguerre estrutura a narrativa com coerência fabular, ainda que os personagens que gravitam em torno do irmão que abandona a família, nem sempre guardam evolução que justifique suas atitudes. A ex-namorada e a mãe preparam a chegada do agora forasteiro, para em seguida se esvaziarem. O outro irmão sofre mudança muito brusca, após repetidas sequências de confronto com o recém-chegado. Paulo de Moraes reforçou as cenas de embate, não investindo nos aspectos poéticos e enlevados desse enfretamento. O diretor, ao lado de Carla Berri, assina o cenário, que exibe potente motocicleta, que desaparece com ruidoso efeito. Mas a cenografia é menos feliz no canteirinho de flores, de pobreza melancólica. Suzana Faini defende, com suave alheamento, a mãe. Ana Kutner se defronta com personagem esboçado, que parece estar a serviço de discurso único (a cooperativa de artesanato), e função secundária. Otto Jr cria imagem de virulência e ressentimento que se ajusta ao Remo, mas o ator não tem como sustentar a transformação sem lastro por que passa o personagem. Eriberto Leão empresta ar misterioso, de início, a Rômulo, mas não equilibra a intensidade interpretativa nos momentos de revelações .  


Crítica/ Breu
Ensaio sobre a solidão do escuro total
Pedro Brício, que já tem um bom número de textos encenados, se mostra autor de linguagem mutável, impulsionada, ora por nostalgia de um passado não vivido, ora por visitas a gêneros e questões geracionais. Esta multiplicidade de caminhos demonstra que as tentativas de Brício na escrita teatral são tão variados quanto a largueza dos estilos. Os textos do autor surpreendem pela variante temática e manipulação dos meios narrativos. Breu, em cena no Teatro III, remete à época da ditadura e utiliza recursos demarcados de fabulação. Em perspectiva realista se vai iluminando os mistérios dentro do qual vive uma mulher, despojada da visão, ameaçada pelo mundo repressor à sua volta. O que vem de fora e a faz temer é acentuado pela cegueira, mesmo tendo estabelecido código de movimentos que a permite sobreviver na solidão do escuro total. A vinda de uma jovem, para ajudá-la no preparo de cachorros-quentes para a venda, cria relação que vai se delineando pela percepção mútua, uma e outra conscientes da onipresença do exterior. O desvendamento do que se esconde nas trevas, se inicia com black-out total, iluminando aos poucos os meandros de como as duas mulheres percebem a si mesmas e aquilo que as inquieta. Muito bem construída, com diálogos sem desvios da linha narrativa, com clima de tensão interna dosado por domínio dramático, o texto retrata a crescente segurança da dramaturgia de Pedro Brício. A direção dupla de Maria Silvia Siqueira Campos e Miwa Yanagizawa  sintonizada com o ambiente emocional difuso, opõe a doméstica desproteção à violência surda que o ronda permanentemente. O cenário, assinado pelas diretoras e Aurora dos Campos, reproduz com envolvência a ensombrada casa-refúgio. A iluminação de Tomás Ribas percorre da escuridão à luminosidade explodida, em tempos e movimentos precisos. Andréa Horta projeta a presença vaga da moça que aos poucos vai se integrando a um mundo que, a princípio, lhe é indiferente. Kelzy Ecard desenha com sensibilidade a solitária e ameaçada  personagem. Com consistente composição física como deficiente visual (é registrável a maneira como a atriz corta o legume) e sem dramatismo, Kelzy conduz a platéia pela jornada da personagem, detalhando sua força e fragilidade.  

                                                       macksenr@gmail.com