sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

3ª Semana da Temporada 2012


Crítica/ Duplo Grimp
O Campo: simulacro do amor
Felipe Vidal, diretor de Duplo Grimp, que reúne dois textos (A Cidade e O Campo) do inglês Martin Grimp, investe, uma vez mais, na dramaturgia do autor que faz de situações, palavras, e pausas, percursos. Na montagem anterior de Vidal, Tentativas Contra a Vida Dela, Grimp criava cenas que se (des)ordenavam como narrativa, desmentindo-se ou afirmando-se pelos escaninhos da escrita teatral. Não havia, propriamente, enredo, embora houvesse indícios, distribuídos por 17 situações que criavam um fluxo de vozes numa região ficcional em que os meios são os próprios elementos da narração. Nos dois textos que compõem o espetáculo em cartaz no Teatro Gláucio Gill, a estrutura da escrita de Grimp permanece nas suas características mais significantes. Tanto em O Campo, quanto em A Cidade, se mantêm os diálogos tautológicos, as ações inconclusas, as emoções descarnadas, num provocante quadro de especulações para o espectador. Ainda que se queira atribuir razões para justificar figuras, quase tipos, desprovidos de coerência, perfil psicológico ou sentimentos capturáveis, o que lhes confere realidade são as hipóteses de recepção.
A Cidade: construção da cidade interna
Em O Campo, o que parece indicar aparência, é o jogo de despistes, em que um trio se entrelaça, com cada vértice representando um picote  na fotografia dos outros dois. Quem tem o papel de traidor? Quem é traído? Quem é aquele que está sempre presente, mas apenas através do telefone? Palavra e atitude se ligam por dissociação, numa lembrança da dramaturgia de Harold Pinter. O que se procura reproduzir, por meio de personagem abstrato, invisível e subterrâneo, é o simulacro do amor. Em A Cidade, a traição nunca é explicitada, pairando sobre um casal, uma vizinha enfermeira e menção a um escritor. Neste quadrilátero, abre-se espaço para que, a seu modo, cada um “ agarre-se à vida”, apesar de “tudo parecer estranho e artificial”. Na urbe das dúvidas dos papéis a se desempenhar, a construção é da cidade interna, aquela em que se inventam personagens, e em que se fica sem saber quem é verdadeiro ou inventado.
Felipe Vidal na direção e Danielle Ávila na tradução, demonstram forte adesão ao universo de Martin Crimp. Ele, pela maneira como risca a cena em consonância com a atmosfera do autor. Ela, pela transcrição no ritmo do “fluxo de especulações” que se pode intuir do original. A encenação se apóia na mesma linguagem subterrânea do texto, equalizando a materialidade das situações à abstração subjacente a cada palavra e ação. Uma montagem em sintonia fina. O cenário de Aurora dos Campos, que tão bem desenhou o esboço de uma casa em tubos de metal, se perde um pouco ao decorá-la com elementos por demais conotados. Como os galhos artificiais de plantas e o mobiliário de jardim. A iluminação de Tomás Ribas preenche com vigor o espaço. E tanto num texto, quanto em outro, os elencos correspondem à intensidade dos diálogos e ao caudal das palavras, correspondendo com interpretações que refletem compreensão do texto. Mesmo com as atuações sagazes de Adriano Saboya e Flavia Pucci, Gabriela Carneiro da Cunha é quem empresta  ironia à jovem misteriosa em O Campo. Em A Cidade, Lucas Gouvêa e Cris Larin estabelecem a dubiedade dos personagens, enquanto Nicole Crodery e Beatri Bertú se mantêm em conveniente segundo plano.

                                                        macksenr@gmail.com