quarta-feira, 7 de setembro de 2011

Peter Brook no Rio


Crítica/ Uma Flauta Mágica

Evocações étnicas de um alquimista da poética teatral
Por apenas dois dias, hoje (8/9) e amanhã (9/9) no Teatro Dulcina, e de 12 a 16 em São Paulo e de 21 a 23 em Porto Alegre, a transposição de A Flauta Mágica, ópera de Mozart para a gramática cênica de Peter Brook, pode ser vista nesta excursão brasileira. Nada parecerá tão ajustado ao universo teatral do diretor inglês, há décadas instalado em Paris, na sua arquitetônica e belamente detonada sala de espetáculos Les Bouffes de Nord, do que esta versão camerística de obra de gênero tão grandiloquente na exaltação do lirismo. Em sentido inverso, ressaltando a magia e a fantasia pelo despojamento e a economia de meios, Brook reconfirma, aos 86 anos, as suas límpidas linhas de trabalho. Esse imigrante na França, sedimentou suas teorias fundando o centro de experimentação teatral, nos anos 70, reunindo atores de várias etnias, que tanto podem expressar-se na poética de Shakespeare de A Tempestade, como em texto védico de 12 mil páginas, escrito há cinco mil anos, como O Mahabharata. Há na dramaturgia cênica de Brook, permanente “sentimento do maravilhoso”, aquele ponto que liga o homem à natureza, como se fosse um alquimista de imagens que integra culturas. É exatamente o que acontece em Uma Flauta Mágica. Lá está a ópera na sua integridade, ainda que condensada no sentido musical e narrativo, desprovida de adereços interpretativos, construções cenográficas e orquestra (há somente um piano). Cantores atuam com parcimônia, atores participam como coadjuvantes, todos em torno cena despida de dramática operística, mas repleta de sonoridade evocativa. O quadro se estabelece a partir de lembranças de outros espetáculos de Brook. As ripas de bambu, que se transformam em armas, esplendores, confinamentos, matas e subterrâneos, são servidas por iluminação que transporta, assim como os tecidos que encobrem feiúras mentirosas e vilezas rubras, em pura magia. A limpidez de algumas vozes, como a de Julia Bullock (Pamina), das figuras impositivas de William Nadylan e Abdou Ouloguem, e o humor de Virgile Frannais (Papageno) compõem unidade que determina tempo narrativo, não subjacente ao gênero operístico, mas ao cerne do libreto. Como os deuses que convivem com os humanos, e os sentimentos essenciais que inundam a vida, em Mahabharata, também em Uma Flauta Mágica, o imaginário sobrevive, unido pelo mesmo bruxo que, seja em poema védico ou em ópera mozartiana, toca zona tão sensível à artesania teatral. A da criação de poética única.