sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Festivais

Tempo
Depoimentos e Inquietações
Palavras de um crítico sobre afeto reflexivo
Num festival como Tempo, no qual a diversidade não é apenas um conceito, mas prática seletiva, a presença de várias linguagens permite que se sobrevoe as artes cênicas em múltiplas rasantes. Às vezes, esses vôos ficam a pouca altura do solo, atingido mediana velocidade de cruzeiro. Mais do que avaliar as “aproximações teatrais” de Três Tempos Sobre o Tempo”, que sob supervisão de Daniela Fortes reune Ana Abbot, Átila Calache e João Rodrigo Ostrower, se  destaca a tentativa de manipular linguagens, através de imagens, música e atuação. O trio do elenco, circunstancialmente investido de atores-performers, encena movimentos temporais, interpretados como fluxos e percepções. O tempo, para além da oportunidade de usar o título da mostra como pretexto, ora é visto como deslocamento, ora como geografia de sonoridade musical, e também como imagem de atuação. Em cada um desses “procedimentos cênicos” se intenta atribuir sentido performático ao tempo, o que se revela um tanto ingênuo e superficial. Reduz-se a “depoimentos” sem inquietações. O Que Você Gostaria Que Ficasse deixa, igualmente, a impressão de que se está diante de depoimentos, com relativa inquietação, de geração de atores ainda em estágio de desenvolvimento artístico e etário. Concepção e direção de Miguel Thiré, a montagem do Brecha Coletivo procura mapear vontades e preferências que se manifestam em espaço aberto para que, tanto atores quanto público, depositem tais desejos. Em introdução, que se refere ao desaparecimento completo do humano, é proposto que se deixe algo para ficar para a eternidade. Entre as doações, de objetos e sentimentos, é criada história de uma mulher, do parto à sepultura. Na busca da celebração à criação cênica e ao improviso, perde-se a medida dos meios. Longo e excessivo, O Que Você Gostaria Que Ficasse  não chega a ser um retrato de geração, somente flash de um coletivo teatral que expõe o prazer de estar no palco. A Lei do Caminhante, ao contrário dos espetáculos anteriores, adensa o depoimento e a inquietação. O crítico de cinema francês Serge Daney, editor-chefe do Cachiers de Cinema, pouco antes de morrer, aos 48 anos, em 1992, foi entrevistado pelo revolucionário de 68 Régis Debray. A entrevista é a personagem desta montagem idealizada pelo ator Nicolas Bouchard, que amplia a voz do crítico lúcido e o pensamento do homem, intensamente envolvido pelas fronteiras das imagens de seu tempo. Pela via das telas, Daney se insere e justifica sua existência no mundo, desde a infância, quando ao descobrir os atlas geográficos, começa a se localizar, de fazer parte, descobrindo e demarcando limites. O cinema, em especial o americano e o western Rio Bravo, balizam essa localização. Na salada de imagens que nos assalta continuamente, na era de mídias explodidas, Daney desnuda a televisão pelo imediatismo de suas exibições e pelo assassinato da imagem em favor do visual. Como bom intelectual parisiense, Daney é caudaloso nas palavras, vibrante nas citações e “literário” na construção verbal, fulgurante pensador que fala de uma paixão (ao cinema) com calorosa inteligência e reflexivo afeto. Nicholas Bouchard não interpreta o crítico, mas aquilo que ele tão generosamente diz de si nesta entrevista brilhante.
                                                        macksenr@gmail.com