sábado, 4 de junho de 2011

23ª Semana da Temporada 2011


Dramaturgia original e adaptada


Crítica/ Diários do Paraíso

Dois tempos de um personagem com lembranças amazônicas
Caio de Andrade, autor de Diários do Paraíso, desenvolve sua escrita dramatúrgica em torno da vida brasileira em manifestações relacionadas a fatos históricos, personalidades várias e uma certa vida interiorana brasileira. Seus textos – Os Olhos Verdes do Ciúme, Deserto Iluminado, e Geringonça – ressoam esse mundo passado. Na montagem, em cartaz no Teatro do Leblon, não é muito diferente. Reúne um núcleo de personagens, que emigra dos Estados Unidos para a Amazônia, nos anos 30, e um deles, na idade madura, relembra a aventura da transposição da efervescência de Nova Iorque para os choques do contato com a floresta. A vida antes da chegada, os desajustes da aclimatação e a realidade das lembranças se misturam em simultaneidade temporal. Mas a história não absorve as suas próprias condicionantes, incapaz de criar atmosfera que, efetivamente, envolva as diversas culturas (a judaico-americana e em menor escala o imaginário amazônico). Mas o maior problema se revela na direção de Caio de Andrade. Com cenário de Sérgio Marimba que esboça um espetáculo que não acontece, as atrizes Fernanda Thuran, Klaís Bicalho e Monique Deboutteville se revelam um tanto aquém das suas já frágeis personagens. Os atores Jaime Leibovitch e Ray Lucas, este se ajustando fisicamente ao personagem, desempenham um tanto melhor os dois tempos de um mesmo personagem.    


Crítica/ Lição N° 18 – Romeu e Julieta

Figurinos desiguais entre tempos de criação

Doc Comparato pertence a geração de dramaturgos que procura a permanência da sua escrita e a construção de uma obra. Cada texto tenta fixar as possibilidades de transcendência da sua vigência no tempo, para em conjunto formar reflexão pessoal sobre o mundo e a época em que vivem. Na dramaturgia de Comparato – Nostradamus, Michelangelo, Círculo de Luzes – essas ambições aparecem como busca em personagens históricos e no passado formas de ver a existência. É o que, de certa maneira, se repete em Lição N° 18 – Romeu e Julieta, em cena no Teatro Poeira. Para tanto, recorre a referência inspiradora de Shakespeare para escrever a tragédia do casal de Verona em paralelo ao roubo da seiva criativa de escritor em crise. A narrativa avança entre esses  pólos, com o desfecho de Romeu e Julieta coincidindo com a morte de qualquer esperança do autor de atingir a posteridade. Como no desencontro dos jovens, condenados pelo destino fortuito, o dramaturgo enterra à luz de velas o seu fúnebre fracasso. Neste réquiem de uma carreira frustrada, Doc Comparato alterna a dupla história, pedindo emprestado, sem muita convicção, a trama de Shakespeare, mas o que o texto projeta de mais instigante é o declínio da ímpeto da criação. Acrescente-se a muleta dramática do casal, uma certa desordem  e indefinição dos meios cênicos, que revelam os desequilíbrios e truques, quase clichês, da narrativa. A montagem de Lucas Marcier não contornou os problemas, ampliou-os. Não há  adequação de humor à temperatura hesitante do dramático, ao ponto de o quarteto de atores – Bel Garcia, Thierry Tremouroux, Bianca Comparato e Fabrício Belsoff – se dispersar em interpretações desiguais, com momentos explosivamente postiços.  Parte do descompasso dessa encenação, que começa pela autoria, passa pela direção e atinge o elenco, recai sobre a estranha concepção do figurino, assinado por Rita Comparato.


Crítica/ Bartleby, O Escriturário

Indefinição de padrão cênico cria híbrido burocrático
A origem literária não é restritiva para a adaptação para o palco de romances, contos e poesia. Para atingir a expressão cênica é necessário que a adequação à  linguagem teatral estabeleça correspondência, mais ao espírito do original, do que qualquer forma escolhida para trazê-la à cena. Bartleby, transcrição da narrativa de Herman Melville, que pode ser vista na Casa de Cultura Laura Alvim, é fiel na medida em que se aproxima no plano da linguagem do meio inspirador. Expositiva, com um narrador que descreve a progressão da negativa como impulso para a desorganização da vivência burocrática, se conserva na montagem de João Batista, que assina adaptação e direção. Sem se desviar do original - e esta não é uma questão de sustentar a fidelidade de maneira mimética -, Batista inscreve em crescente dramático a repetida frase com que o personagem título desestrutura o que está organizado, utilizando-se da reiteração para desarrumar certa ordem social. Pelo não, Bartleby aponta as fraturas do sim. À ordem, segue-se a desordem. Da pretensa sanidade, a possível loucura. Do impulso, à imobilidade. Essa ambiência pode até estar, em fragmentos, na encenação, o que não é suficiente para estabelecer padrão estilístico definido. O personagem é recebido pela platéia como algo risível, os colegas de escritório como bonecos de uma pantomima, a rejeição de Bartleby da realidade como uma bizarrice de comportamento. O diretor até tenta uma intervenção que desenhe algum contorno, mas resta somente um híbrido do literário, e um esfacelamento do cênico. Cláudio Gabriel (com intensidade interpretativa que parece impelida pela necessidade do ator se destacar), Eduardo Rieche (levando a mecanização física ao robotismo) e Rafael Leal (um pouco saltitante demais) são os contrapontos para a rotineira narração de Duda Mamberti e para a figura esboçada fisicamente por Gustavo Falcão. O que este algo frustrado espetáculo tem de mais inventivo, está na cenografia geométrica de Dóris Rollemberg.     


Crítica/ Hell

Dramatização chique
Procurar na estante, material para levar ao palco, algumas vezes é apenas um movimento de transporte. Hell, que ocupa o palco do Teatro dos Quatro, foi retirado do livro da francesa Lolita Pille, que faz da personagem, uma burguesa cheia de excessos consumistas (de roupas, drogas e dinheiro), versão neo-dramática de Eu, Christiane F., 13 anos, drogada, prostituída, livro-depoimento, best-seller  na década de 80. A mea-culpa da moçoila que se mostra consciente da sua inconsciência, que critica a sua origem e compulsão a tudo que conduza à banalidade e à vacuidade de cotidiano de festas, sexo e aditivos químicos variados, é de um moralismo de fachada e falso invólucro de romance de geração. Ao que se pode acrescentar pitadas do politicamente incorreto e algum romantismo fora de lugar e de tempo. Se o material literário é inconsistente, a adaptação ao teatro não é menos. Todo narrado, com as cenas seccionadas como capítulos, os adaptadores Marco Antonio Braz e Hector Babenco (também diretor) demonstram ser pouco sensíveis às fontes vivas do palco. Acentuam-se os problemas desta versão, nos cortes que, eventualmente, poderiam funcionar melhor numa projeção dramática audiovisual, mas que, positivamente, sucumbem numa montagem teatral. O acender o apagar da iluminação, o tira e bota do figurino, os black-outs alongados que impedem que o espetáculo ganhe ritmo, enquadram Hell no limbo das aparências e da superficialidade de imagens. Paulo Azevedo tem discreta e apagada presença, ao contrário de Bárbara Paz, que exibindo roupas grifadas e uma dramaticidade chique, imprime tensão muito marcada, que acaba por torná-la exteriorizada.    


Cenas Curtas

A presença do cenógrafo paulista Flávio Império (1935-1985) na vida teatral da cidade está registrada na mostra do Itaú Cultural. Além de sua produção de cenários, os trabalhos de arquitetura e artes plásticas, ao lado de exibição de documentários também podem ser vistos na sede do Itaú, na Avenida Paulista. Para quem quiser visitar a exposição à distância, basta acessar www.itaucultural.org.br.

Moacir Chaves, que no início do ano lançou com Labirinto, seleção de textos de Qorpo Santo, a Alfândega 88 Cia. de Teatro, e dirigiu A Lua Vem da Ásia, com Chico Diaz, volta aos palcos cariocas com a estréia de Retorno ao Deserto, do francês Bernard-Marie Koltès, na Casa de Cultura Laura Alvim. Para o segundo semestre, com o elenco da Alfândega, Chaves encena Negra Felicidade.

João Fonseca é outro diretor com ativa produção nestes primeiros seis meses do ano. Depois de R&J  de Shakespeare – Juventude Interrompida, estréia duas novas montagens. No Teatro I do Centro Cultural Banco do Brasil assina versão de Cyrano de Bergerac, e no Espaço Sérgio Porto, O Gato Branco, texto de Jô Bilac. Até o final da temporada, João planeja outras estréias. A próxima, um musical sobre Ary Barroso.


O Que Há (de melhor) Para Ver

Harmonioso elenco canta aldeia russa
Um Violinista No Telhado - Baseado na cultura judaica, fixada no microcosmo de uma aldeia russa, no início do século XX, o musical ganha versão com igual rigor de realização que Charles Möeller e Cláudio Botelho têm mantido nas suas montagens. Com a mesma capacidade de selecionar os elencos, dos protagonistas às crianças, a dupla acerta, uma vez mais, no harmonioso e eficiente coletivo de atores, cantores e bailarinos, e na ótima direção musical e na orquestra. Oi Casa Grande.

macksenr@gmail.com