quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Palco Nostálgico

Como foi a temporada carioca de 1975

Asdrubal trouxe Jarry
A pulsação de uma temporada pode ser medida por sua capacidade de gerar e absorver o que os dramaturgos produzem. Não houve em 1975, explosão de novos autores ou um número expressivo de textos de nomes já consagrados. E, no entanto, os espetáculos mais significativos do ano foram resultantes de textos nacionais. Gota d’Água (Paulo Pontes e Chico Buarque) seria razão mais do que suficiente para acreditar numa tendência renovadora da dramaturgia brasileira. Pano de Boca (Fauzi Arap) é também forte demonstração de que houve tomada de consciência em relação à barreira censória dos empresários (e de outra ordem), e de que há uma firme adesão ao ato de escrever para teatro. Lampião no Inferno (Jairo Lima) repõe para platéias urbanas o universo nordestino, enquanto Corpo a Corpo (Oduvaldo Vianna Filho) acentuou a certeza de que a morte de Vianinha, não só foi prematura, como extremamente injusta para com a potencialidade do autor.
A ação constante da censura aumentou, consideravelmente, a lista de textos proibidos. Dos três prêmios do Serviço Nacional de Teatro, apenas Mumu, de Marcílio Moraes, pode ser assistido pela platéia carioca. Rasga Coração, de Oduvaldo Vianna Filho, e A Invasão dos Bárbaros, de Consuelo de Castro, sequer puderam ser ouvidas em leituras públicas.
E quando os caminhos dos textos se mostram árduos e plenos de dificuldades, procura-se substituí-los por trilhas alternativas do espetáculo. Foi o que tentaram Hamilton Vaz Pereira em Ubu, Luís Antônio Martinez Corrêa em Titus Andronicus, e em menor escala José Luiz Gomez em Mockinpott, Antônio Pedro (Pano de Boca), Aderbal Júnior (Corpo a Corpo), Gianni Ratto (Gota d’Água) e Luís Mendonça (Lampião no Inferno). Cada uma dessas montagens foi uma busca de redefinições. Perspectivas se abriram como reflexo de “voltar a querer”, como lembrou José Celso Martinez Corrêa. O teatro esteve este ano querendo ressurgir e, aqui e ali, mostrou o quanto está vivo. Cada um dos que lhe dão sentido (os realizadores, o público, a produção) se ressensibilizaram, voltando a buscar rumos, apesar de todos os percalços.
De tudo que aconteceu nos palcos, e em torno deles, a comemoração de aniversário de Érico Veríssimo, no Casa Grande, deixou marca. A atriz Fernanda Montenegro, ao lado de Fernando Torres, leu trechos de conferências, dos livros e de declarações do escritor gaúcho, e não contendo a emoção, chorou. Na apreensão deste instante de Fernanda, a demonstração da fé diante da força da palavra e do ato de testemunhar a vida. Em 1975, o teatro procurou ser, mais uma vez, espelho desta fé.