domingo, 27 de fevereiro de 2011

8ª Semana da Temporada 2011

Crítica/A Eva Futura


Especulações passadistas sobre possibilidades de futuro

Os problemas de A Eva Futura são mais evidentes pela sua origem. A trama narra a experiência de Thomas Edison na criação de réplica de uma criatura a quem atribui qualidades das quais a original era desprovida. O processo da construção deste novo ser, os preâmbulos do acordo feito com aquele que queria ter uma mulher mais inteligente, e não apenas bela, já seriam por demais cansativo, se além deles temos que nos confrontar com diálogos nada envolventes. Verborrágico e desinteressante, o texto traduzido, adaptado e dirigido por Denise Bandeira, que pode ser visto no Teatro do Sesi, demonstra estar comprometido com dramaturgia inconsistente na inabilidade em desenvolver o material dramático. A fragilidade da narrativa recebeu tratamento cuidadoso na montagem. O cenário de Helio Eichbauer, os figurinos de Rita Murtinho e a iluminação de Paulo César Medeiros revelam bom nível de execução. Ana Velloso tem participação em vídeo, enquanto José Antonio Meira, Louri Santos e Daniel Zubrinsky se distribuem em pequenos papéis. Bruno Ferrari se mostra inconvincente, com gesticulação excessiva, em personagem mal desenhado de origem. Larissa Maciel é uma bela figura em cena, beleza ressaltada pela elegância como a atriz veste o figurino. Pedro Paulo Rangel, surpreendentemente, transmite eqüidistância dispersiva na sua atuação como Edison.  


Crítica/ Estilhaços


Cacos afetivos em espaço de um presente em  branco

De certo modo, Eduardo Wotzik com Estilhaços segue tendência cada vez mais presente no teatro de nossos dias. Falar de si, ou daquilo que o afeta ou interessa como objeto da suas vivências ou do que o circunda. Esta fragmentação de impressões sobre maneiras de conviver com o mundo, e consigo mesmo, filia Wotzik a essa vontade insistente de se desvendar nos palcos. Nada do que se fala nesta montagem em cena no Museu do Planetário da Gávea, pode ser considerado biográfico, afinal o autor reflete sobre a arte (“ Queria passar mais tempo mergulhado no ambiente que a beleza aconchega. ... a arte deixa a gente tão quentinho”), o simples estar no mundo (“Pensar pode ser muito divertido.”), as relações afetivas (“Vez por outra sinto uma sede de encontro.”) em flashes que capturam momentos em meio a um existir ruidoso e dispersivo. Na suave explosão das palavras, o autor e diretor ordena os estilhaços que se espalham pelo espaço-instalação de José Dias – uma sala branca com cubos onde o público se acomoda e entre os quais o elenco se movimenta. Nesta circulação de sentimentos expressos em pequenos toques sobre instantes vividos ou capturados em meio a banalidades do cotidiano, Eduardo Wotzik criou um recital, despretensioso, que ao se referir a ele mesmo, deixa impressões sobre o que está à sua (nossa) volta. O quarteto – Analu Prestes, Clarisse Derzié Luz, Marcos França e Ricardo Kosovski – está afinado nesta sinfonia de palavras soltas no espaço teatral, que se dramatizam de acordo com os sons dessas vozes múltiplas que expõem intensidades dos cacos afetivos. Em pedaços, sem cronologias ou maiores alternâncias de climas interpretativos, os atores dão o recado na medida da pretensão do autor em ampliar para muitos sua conversa íntima.    


Crítica/ Solidão, a Comédia

Maurício Machado: humor sobre o patético da solidão

Quando Vicente Pereira escreveu Enfim, só (Solidão, a Comédia), este era o título há 30 anos, o ambiente teatral era outro e o besteirol, como gênero, era mais do que um estilo. Era um modismo. Esse exemplar de produção na linha do humor do fait divers e do comportamento de então, se desvia um tanto dos autores da época ao explorar um tema mais pesado, se for possível usar a palavra para associá-la ao besteirol. A solidão, em suas manifestações quase sempre patéticas, são exploradas por Vicente em textos curtos que recorrem às mesmas obsessões que tanto agradavam os cultores deste tipo de humor, mas com algumas modificações. Sem pretender a seriedade, o que seria considerado sacrilégio para os fundadores do besteirol, Pereira experimenta transpor o seu alcance com uma certa crueldade que imprime aos diálogos ácidos e a escolha de situações limite, como a morte e a solidão. Nem de longe ultrapassa os limites impostos, arbitraria e espontaneamente, pelos autores filiados ao estilo, já que os esquetes reunidos nesta comédia da solidão, apenas ganharam uma carga que os tornam pretensiosos e de tônus cênico fraco. Entre Paris em Chamas, Vamos falar francamente e Sétima Arte, o que ainda resiste um pouco mais é Fogueira das Vaidades. Na reedição tardia do besteirol, em cartaz no Teatro Cândido Mendes, templo do gênero no seu período áureo, o diretor Claudio Tovar tenta reviver, com produção com algum cuidado, o humor que  perdeu, irremediavelmente, o prazo de validade. O seu cenário sugestivo pela simplicidade e os figurinos que procuram envolver a cena com alguma caricatura, emolduram esse registro passadista de dramaturgia que exerceu papel em seu tempo (distendeu os anos da censura e replicou o espírito de uma geração mais solar e expansiva), mas agora é passado. Mauricio Machado, em que pese seu tour-de-force de interpretar vários tipos e procurar alterná-los com atuações em registros diferentes, acaba por demonstrar com esse esforço o quanto os textos e o gênero estão ultrapassados.    
 


Cenas Curtas

 O centenário de nascimento de Tennessee Williams, que se comemora a 25 de março, já tem registro de montagens em sua homenagem em latitudes diferentes. Em Nova Iorque estreou The Milkk Train Doesn’t  Stop Here Anymore, considerada uma das suas obras menos satisfatórias, tanto pela critica quanto pelo público. Mas é justamente esta peça escrita por Williams em 1963 que também ganhou montagem em Portugal, sob o titulo de O Comboio da Madrugada, com Eunice Muñoz. Não estão previstas, por enquanto montagens por aqui do autor de O Bonde Chamado Desejo, mas algumas publicações podem reviver a produção desta referência do realismo-psicológico. A Companhia das Letras tem em catálogo 49 Contos de Tennessee Williams, uma via não estritamente teatral de conhecê-lo como contista e cronista. Em Tennessee Williams – Memórias (Nova Fronteira), a sua conturbada vida interior é desvendada por ele mesmo em franco depoimento. 

O Núcleo Bartolomeu de Depoimentos, companhia paulista de teatro-hip hop faz temporada carioca na Arena do Espaço Sesc, a partir do dia 17 de março, com Bartolomeu que Será que Nele Deu?, direção de Georgette Fadel. Inspirado em Barterbley do americano Herman Melville, a história do escriturário que se sente impotente diante da urgência que a vida o lança, é transformada pelo grupo em canto. Seis atrizes – Ana Roxo, Cláudia Schapira, Daniela Evelise, Georgette Fadel, Luaa Gabanini e Roberta Estrela d’Álva – interpretam papéis masculinos, adotando o hip hop, não apenas como uma forma de ritmo, mas como a sua apropriação como linguagem narrativa. A concepção geral, a dramaturgia e o figurino são de Cláudia Schapira, criadora do grupo.


O documentário Pina, de Wim Wenders, exibido no recém terminado Festival de Cinema de Berlim (Berninale) poderá ser assistido pela público brasileiro ainda este ano. A Paris Filme adquiriu os direitos de exibição desta homenagem à Pina Bausch, uma artista que demarcou novas áreas de exploração do movimento e estendeu os códigos da  dança até aos limites do teatro. O filme, com o subtítulo de Dance, Dance or We Are Lost, é originalmente feito em 3D, o primeiro de arte em tal processo.

Até do dia 30 de março estão abertas as inscrições para a 18ª edição do Porto Alegre em Cena, que acontece de 6 a 26 de setembro. Produções de teatro, música, dança de todo o Brasil podem se candidatar à  mostra, enviando clipagem, sinopse , ficha técnica, fotos e dvd na íntegra e sem cortes para Porto Alegre em Cena, Travessa Paraíso, 71, Bairro Santa Teresa, Cep: 90850-190, Porto Alegre/RS – Brasil.


O prazo das inscrições para o concurso nacional de dramaturgia do Centro Cultural Banco do Brasil Seleção Brasil em Cena se encerra no dia 4 de março. Podem participar autores de todo o país com textos inéditos. O regulamento completo e a ficha de inscrição estão disponíveis em www.bb.com.br/cultura. As 12 peças finalistas terão leituras dramatizadas, com direção de Gilberto Gawronski e Paulo de Moraes, e a vencedora será escolhida por voto popular e ganhará, além de prêmio em dinheiro,  montagem em um dos teatros do CCBB ainda este ano.


O que há (de melhor) para ver

R&J  de Shakespeare – Juventude Interrompida – O texto bem urdido, que transfere a representação da tragédia de Romeu e Julieta para grupo de alunos de colégio britânico, ganha ritmo intenso pela habilidade do diretor João Fonseca em estabelecer alta voltagem cênica, em que comédia e drama se equilibram. Outro trunfo é o quarteto de atores, que mantém a platéia presa às suas atuações, em especial Rodrigo Pandolfo, um jovem já com domínio de seus meios interpretativos.Teatro Gláucio Gill
   
In on It -  Este exercício de decomposição narrativa é uma gingana de descobertas, na qual a trama se transforma no sujeito oculto de uma investigação amargamente lúdica. Frio e distante na aparente racionalidade,  quente e pulsante no substrato da trama, a montagem de Enrique Diaz traduz esses contrastes com segurança. Fernando Eiras e Emílio de Mello mergulham nesta aventura narrativa com interpretações sensíveis. Teatro do Planetário.

Os anos 60 revividos nos 2000
 Hair –A encenação de Möeller e Botelho para o musical dos anos 60 de Ragni, Rado e Macdermot, mantém a estrutura original, mas extrai do que se poderia considerar “de época”, a força dramática e a carga espetacular que o roteiro conserva de raiz. A perfeita adequação entre os tipos e personagens se completa pelo preparo técnico do elenco, prevalecendo a qualidade vocal, coreográfica e a unidade interpretativa de atores preparados para enfrentar a complexidade do que lhes é exigido. Oi Casa Grande.

 macksenr@gmail.com
twitter:@blogdomacksen