quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

7ª Semana da Temporada 2011

Crítica/ Shakesparque

André Mattos (o domador) e Tereza Seiblitz (a megera) em versão estival

Essa coletânea de cenas de textos de Shakespeare sofre de síndrome do revival, já que remete à montagem dos anos 80 do diretor Paulo Reis para A Tempestade, do mesmo Shakespeare e no mesmo lugar (o Parque Laje), além de se inspirar no estival Shakespeare in the Park novaiorquino. Talvez fosse mais proveitoso se livrar do passado e do caráter de evento, para encontrar autonomia expressiva e melhor acabamento. Shakesparque também se reveste de algum didatismo, como se quisesse popularizar os textos seiscentistas para platéia mais ampla. A razão pela qual a entrada é gratuita pode se explicar por preocupação com a conquista de novo público. Mas apesar do sempre envolvente cenário do casarão do Jardim Botânico, da tradução impecável de Barbara Heliodora e da tentativa de criar roteiro explicativo, balanceado por intermezzos com informações sobre as peças e por música original tocada ao vivo, a montagem é um tanto desequilibrada. No total são apresentados fragmentos de sete cenas: Ricardo III, com Lorena da Silva e Jandir Ferrari, A Megera Domada, com Tereza Seiblitz e André Mattos, Romeu e Julieta, com Cristina Flores e Rodrigo Nogueira, Sonho de Uma Noite de Verão com Cláudia Alencar e Antônio Pedro, Hamlet, com Samara Felipe e Alexandre Barillari, Macbeth, com Ângela Rebello e Otto Jr, e A Tempestade, com Amir Haddad. Saltimbancos introduzem cada uma delas, recorrendo a falas que tentam ser coloquial, mas se assemelham a lição engraçadinha. E a música abafa o que dizem os sonetos transformados em letra. Quanto às cenas, todas parecem indistintas, não importa a que peça se refiram. Nada adensadas ou que se perceba algum esforço de explorar as suas possibilidades como tragédia ou comédia. Shakesparque não passa de seleção de trechos que o elenco, com pouca autoridade interpretativa e demonstrando falta de orientação, encena como frágil leitura dramática.



Crítica/ Labirinto

Relações múltiplas de Qorpo Santo
Moacir Chaves tem tendência a buscar textos sem tanto permeabilidade à cena, desafiando-se a encontrar a formalização das dificuldade como a própria linguagem da montagem. Em Labirinto, que ocupa a Arena do Espaço Sesc, Moacir investe na dramaturgia de Qorpo Santo, pseudônimo de autor gaúcho do século 19 de petulância verbal e existencial, pelo menos se considerarmos a época e a sociedade nas quais viveu e as características de sua obra. As peças curtas – neste espetáculo estão reunidas Hoje sou um, e amanhã sou outro, As Relações Naturais, A Separação de Dois Esposos – têm um travo de critica de costumes, em que temas como a maleabilidade de caráter dos políticos, as hipocrisias sobre a sexualidade e a exposição de homossexualismo são tratados em diálogos rebuscados, bem ao estilo do tempo em que foram escritos. A pendência do diretor para autores ou documentos que pressinta possam ser dramatizáveis, o atraem seguidamente. No caso de Qorpo Santo, as peças têm estrutura que se não as fazem interessantes por sua invenção, ao menos atraem por sua curiosidade. E pouco mais do que isto.
Moacir Chaves desarticulou a hierarquia de personagens, distribuindo os atores pelo espaço, estabelecendo frontalidade e planos alternados, criando uma verticalidade para melhor introduzir a circulação dos papéis, a mobilidade de sexos e a quebra do verismo dramático. Emerge deste mexidão um quadro cenográfico que o elenco ocupa com dinamismo do jogo das identidades. A iluminação de Aurélio de Simoni e a concepção visual de Fernando Mello da Costa são fundamentais para o diretor redesenhar cenicamente os textos, desviando-se da verbosidade, retirando, ainda que parcialmente, a indisfarçável origem literária. Com este expediente, Moacir consegue manter a encenação na vibração do humor ácido, apesar de algumas quedas de ritmo, impossíveis de serem sanadas pelo peso dos diálogos, mesmo considerando sua irreverência crítica. O elenco de 13 atores está azeitado ao estilo de Chaves, dosando o tempero carregado de Qorpo Santo com a rotação acelerada de Moacir Chaves.



Crítica/ Banal

Divulgando banalidades para quem quiser ouvir

Banal, texto e direção de Alessandra Colasanti em cartaz no Mezzanino do Espaço Sesc, reflete como em outras montagens atualmente, a necessidade de falar com voz própria, dizer de si, biografar-se no palco. E para tanto, utilizar meios que incorporem elementos múltiplos como projeções, música e interatividade. A autora deste solo dramatúrgico que se quer recital, percorre o cotidiano de situações individuais que tentam alcançar a amplitude do globalizado. O impulso é o de se contar, demonstrar como o externo atua, em escala doméstica, sobre a interioridade. Como o dia-a-dia é invadido pelas vias perturbadoras das media. A cenografia de Natália Lana é o que primeiro integra essa gama de informações, com a caixa cênica branca, os espectadores sentados em torno de aparelhos reprodutores de imagens, compondo cenário frio, complementado por fileira de microfones. Neste estúdio de filmagem, de fotografia, de gravação, simulacro de instalação de artes plásticas e de palco, se estabelece a extensão de ruas de cidades tão diferentes como Rio, Nova Iorque, Curitiba e Moscou. A platéia envolvida por tantas projeções, assiste igualmente a imagens da lida de empregadas na cozinha e da autora comendo sanduíche diante do computador enquanto escreve. Cinco atores – Carol Portes, Fabrício Belsoff, Fernanda Félix, João Velho e Thiare Maia – como jograis, recitam depoimentos pessoais, que se diluem em desordenadas referências ao que está à volta. Peças vivas de um museu de violências difusas, suavizadas pelas banalidades de cada um sobre suas vidinhas, são figuras soltas de um stand-up-cabeça. Esses flagrantes de privacidades lançados na vala comum do exibicionismo caótico da teia teatral atingem momentos que seguram a platéia, em contrapartida a outros em que os estímulos, visuais, sonoros e verbais, são apenas dispersivos. Talvez para significar o quanto é banal tudo aquilo que nos é dado viver hoje e o que se passa em torno de nós. Se esta foi a intenção de Alessandra Colasanti, Banal cumpre seu propósito.


Crítica/ Na Lona
Fardo pesado de pantomima circense
A proposta da diretora Fabiana de Mello e Souza é daquelas que se pode dizer que “de boas intenções….”. Pantomima de três palhaças de um circo em fim de linha replica números desgastados pelo tempo e falidos pela incompetência em executá-los. Levantando a lona para onde levam sua decadência e o escorraçamento dos que não as desejam por perto, aportam em uma cidade qualquer para apresentar aquilo que ninguém quer ver. É deste fio narrativo, com veleidades poéticas, que a diretora constrói a sua linguagem cênica, eliminando a palavra, substituindo-a por sonoridades guturais e gesticulação que mimetiza. O circo não serve somente como ambientação, mas de tipificação do gênero. Além desta deglutição de imagem, pouco há de digestivo na adoção do espírito circense. Se o modelo é tradicional, a sua duplicação reforça e enfatiza o convencionalismo que rege a cena. O desenvolvimento dos quadros, bastante previsível, e a atuação clownesca tropeçam nos movimentos exaustivamente codificados. Cris Muñoz, Fabiana Poppius e Flávia Lopes demonstram maior empenho de exibir do encenar um estilo. O que se vê na Sala Multiuso do Espaço Sesc é meramente este esforço de reproduzir.


Cenas Curtas

A bela mansão do alto da Gávea do Instituto Moreira Salles abriga a exposição Vídeo Portraits de Robert Wilson, que mostra 14 videoretratos produzidos sobre imagens do diretor teatral e artista plástico americano de inconfundível identidade imagética. Os retratos de Bob Wilson reproduzem a atriz Winona Ryder, como a personagem de Dias Felizes, de Samuel Beckett, a francesa Jeanne Moreau, e os atores Johnny Depp e Brad Pitt, entre outros. Projetados em telas de até 1,5 m de altura, e com cenografia e caracterização sofisticadas, ao estilo Wilson, as imagens são captados em movimentos mínimos, quase imperceptíveis. Vale a visita, não só pela exposição, como pela arquitetura do prédio do Instituto e o parque no entorno.

No final deste mês, dia 28, se encerra a temporada da Cia Sutil de Teatro no Espaço Tom Jobim, que a partir do dia 18 de março será ocupado por A Escola do Escândalo, do irlandês Richard Brinsley Sheridan. Dramaturgo do século 18, Sheridan é um mordaz crítico da sociedade da sua época, que nesta montagem tem adaptação e tradução de Miguel Falabella, que também assina a direção. Participam do elenco, Ney Latorraca, Maria Padilha, Guida Vianna, Jacqueline Laurence, Rita Elmor e Bruno Garcia

Na agenda da Caixa Cultural para março está confirmada a apresentação de Tadashi Endo, bailarino de butoh, e diretor de centro alemão especializado nesta dança-teatro oriental. Endo apresenta a performance Ikiru, anunciada como “um réquiem para Pina Bausch”. O artista japonês, sem se apresentar no Rio há 4 anos, tem ligação com o Brasil desde 2002, quando estabeleceu contato com o grupo Lume de Campinas, no qual dirigiu Shi-Zen e 7 Cuias e Sopro. A força criativa de Pina Bausch, decisiva e influente em várias vertentes da arte contemporânea, recebe também homenagem, do conterrâneo diretor Wim Wenders em documentário, apresentado esta semana no Festival de Cinema de Berlim. O Festival de Filmes do Rio poderia trazer para sua edição 2011, em setembro, esta produção de Wenders. O cinema, o teatro e a dança agradecem.

A temporada de ópera do Teatro Municipal foi divulgada, e estão previstas quatro produções ao longo do ano. A primeira delas, Lucia de Lammermoor, de Donizetti, está agendada para maio, com direção de Alberto Renault, prenunciando muita ousadia. Em julho, Nabucco, de Verdi terá a direção cênica de André Heller. Carla Camurati será a encenadora de Tosca, de Puccini, em setembro. E no final do ano, Felipe Hirsch assina o desafio de montar O Castelo de Barba Azul, de Bela Bartók. Hirsch é responsável ainda por Rigoletto, de Verdi, que deve estrear no Teatro Municipal de São Paulo, em setembro.


O que há (de melhor) para ver

R&J de Shakespeare – Juventude Interrompida – O texto bem urdido, que transfere a representação da tragédia de Romeu e Julieta para grupo de alunos de colégio britânico, ganha ritmo intenso pela habilidade do diretor João Fonseca em estabelecer alta voltagem cênica, em que comédia e drama se equilibram. Outro trunfo é o quarteto de atores, que mantém a platéia presa às suas atuações, em especial Rodrigo Pandolfo, um jovem já com domínio de seus meios interpretativos.Teatro Gláucio Gill

A Lua vem da Ásia - A ficção de Campos Carvalho recria universo atropelado por inconclusões e por visão um tanto niilista da existência. O diretor Moacir Chaves empresta ao monólogo caráter múltiplo, conduzindo os espectadores pela jornada de alguém percorrendo dúvidas. Com o vigor do peito aberto e o patético de um vagabundo que evoca Beckett, Chico Diaz transmite um certo “sentimento do mundo”, numa atuação límpida. Teatro I do Centro Cultural Banco do Brasil.
Deus da Carnificina – A francesa Yasmina Reza se preocupa mais com o invólucro do que com o conteúdo, e neste texto sobre a crescente agressividade de casais diante da briga dos filhos, não é diferente. Com habilidade e curiosa cenografia, o diretor Emílio de Mello soube ressaltar o que o invólucro tem de melhor, o seu brilho externo, utilizando quarteto de bons atores, no qual se destaca Julia Lemmertz com alguns momentos excepcionais. Teatro Maison de France.

Histórias do Amor Líquido – Em três histórias que se interpõem, o autor Walter Daguerre captura modos diversos da “liquefação das relações contemporâneas”. O diretor Paulo José adota ritmo dinâmico e nervoso para a montagem, apoiado pelo criativo cenário de Fernando Mello da Costa, que usa, como poucas vezes se viu no teatro carioca, projeções com ótimo efeito dramático e qualidade técnica. Teatro Poeira.

In on It - Este exercício de decomposição narrativa é uma gingana de descobertas, na qual a trama se transforma no sujeito oculto de uma investigação amargamente lúdica. Frio e distante na aparente racionalidade, quente e pulsante no substrato da trama, a montagem de Enrique Diaz traduz esses contrastes com segurança. Fernando Eiras e Emílio de Mello mergulham nesta aventura narrativa com interpretações sensíveis. Teatro do Planetário.

Leonardo Medeiros: gripe asséptica
Sutil Companhia de Teatro – Três montagens – Não Sobre o Amor, Temporada de Gripe e Tom Pain/Lady Grey _ assinadas por Felipe Hirsch tratam da memória destituída de sentido dramático, numa exposição, aparentemente fria, às vezes com ironia, outras com amarga lucidez, sobre os meandros dos sentimentos. Com cenários de Daniela Thomas, de indiscutível impacto, as encenações contam ainda com atores integrados à racionalidade dos textos, como Mariana Lima, Guilherme Weber e Leonardo Medeiros. Espaço Tom Jobim.

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