quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

6ª Semana da Temporada 2011

Três montagens de Felipe Hirsch no Espaço Tom Jobim


Crítica/ Não Sobre o Amor

O amor fora do eixo gravitacional

As cartas do escritor russo Victor Shklovsky para a sua amada Elsa Triolet estão reunidas nesta correspondência de amor no exílio. Poeta e teórico literário, Shklovsky escreve de Berlim para Elsa, em Petersburgo, materializando a metáfora do amor sem lugar, da existência expatriada. Apartado de sua terra, "estrangeiro desventurado, definhando em seu zoológico interno", encontra nas imagens de Chagall no teto da igrejinha de aldeia, ou no apelo telúrico do Quixote, de Cervantes, a dimensão da inexistência dos exílios. O ato de escrever confirma que "sem a palavra, nunca se chegará ao fundo de nada".
Felipe Hirsch é cirúrgico na construção de espetáculo destituído de firulas e carregado de rigor estético. De formalismo detalhista, a encenação traduz o texto com o igual distanciamento contido nas cartas, expressando a melancolia das lembranças, das quais emergem o vácuo das emoções em que o personagem flutua, sem o eixo que o localize na geografia de si mesmo. O cenário de Daniela Thomas é decisivo na transcrição deste estado de suspensão, ao subverter os planos espaciais, criando uma área de evasão, na qual as projeções de imagens estão plenamente integradas à mudança do eixo gravitacional dos personagens. A iluminação de Beto Bruel, os figurinos de Veronica Julian, e a trilha sonora só acrescentam mais rigor a espetáculo exemplar.
O casal de atores segue interpretações destituídas de dramaticidade que a carga de sentimentos eventualmente poderia sugerir. Simone Spoladore projeta a mulher que não se deixa amar. Leonardo Medeiros circula por realidade e memória com a sutileza manipulada pela razão do poeta.



Crítica/ Temporada de Gripe

À procura de lugar para a memória

O escuro é a primeira imagem proposta por Will Eno, autor de Temporada de Gripe, e que introduz a voz do ator, verificando se é real a presença do público na sala. É como se quisesse relembrar que o teatro ainda precisa de atores e de platéia, mas não necessariamente de tramas. O que é imprescindível está num lugar volátil, aquele que fica no espaço da emoção, no vácuo entre a área dos sentimentos que podem ser atiçados no prólogo e ameaçados de irritação no epílogo. O entrecho se apresenta entre esses pólos, objeto a ser quebrado na sua linearidade temporal, mas reconstituído com o cinismo de quem recorre ao realismo para prescindir de sua veracidade. O humor irônico, recurso usado à exaustão, em especial com os “personagens” (Prólogo e Epílogo), é o veículo para desfazer a linguagem. O que Eno, aparentemente pretendia ao quebrar com a lógica seqüencial acaba por se frustrar ao cair no formato que não esconde a sua origem dramática. A história com evolução, entrecho e clímax, soterra a “novidade” perseguida. Felipe Hirsch, mais uma vez com a colaboração da cenografia asséptica de Daniela Thomas, mergulha na armadilha do autor ao repetir a explicitação dos seus truques e maneirismos de desarmar expectativas. Menos resolvido como dramaturgia, Temporada de Gripe é um “esquenta” para textos de Will Eno que foram bem mais longe em sua composição ardilosamente desarrumada.



Crítica/ Tom Pain/Lady Grey

Conversa silenciosa sobre o desamparo

Will Eno também nestes dois monólogos parte do diálogo com a platéia, conduzido como uma conversa (e não deixa de ser um papo, no qual voz e escuta ameaçam se confundir), uma interlocução entre perdas e sua memória. Mas para que a conversa caminhe, há que estabelecer um roteiro, que surja uma história. Ao buscar, com o humor amargo que exponha aquilo que nos faz sofrer, igualam-se sentimentos, lembranças da infância e despojos do amor. São esses os motores, que com algum cinismo, impulsionam o movimento da vida. A história de todos.
De início não há luz, tudo é escuro, e ao longo da preleção do homem com dor vai se fazendo a iluminação, até que, de tão intensa, provoque a contração do olhar. No desabafo da mulher cinzenta, a luz vai se apagando à medida em que “mostra e conta” até atingir o desvendamento da fantasia infantil e das vestes da trapaça para iluminar a obscuridade da nudez total. Nos dois monólogos, o masculino e o feminino, o jogo de luzes é proposto como um candeeiro de palavras, acesas pela impossibilidade de atingir os mecanismos da compreensão. Felipe Hirsch, seguindo uma bula corajosamente expositiva, sem maiores indicações sobre possíveis efeitos colaterais anestesiantes, imprime cadência pendular à interpretação do casal de atores. Enquanto Guilherme Weber mostra desamparo cáustico, Mariana Lima, suspende a tensão interior com pausas significantes. Um duo de solistas num recital de teatro silenciosamente arrebatador.

Cenas Curtas

Sua Incelença, Ricardo III, adaptação para o texto de Shakespeare, com direção de Gabriel Villela, produzida no Rio Grande do Norte, abre a 20ª edição do Festival de Teatro de Curitiba, que se estenderá do dia 29 de março a 10 de abril. Com 31 espetáculos na mostra principal, o festival contará com as estréias nacionais da Sutil Companhia de Teatro de Curitiba, que lançará Trilhas Sonoras, e de Denise Stoklos com o monólogo Preferia, Não. De Minas, a diretora Yara de Novaes exibe a sua versão de Tio Vânia, enquanto grupo de Cuiabá revisita Anjo Negro.

Produções cariocas foram generosamente contempladas na programação. Várias delas, atualmente em cartaz na cidade – Adultério, É Com Esse que Eu Vou, Um Coração Fraco, Sonhos Para Vestir, Labirinto e Me Salve, Musical – estarão nos teatros curitibanos em abril. Ainda outras, apresentadas na última temporada - Marlene Dietrich, Comédia Russa, Antes da Coisa Toda Começar e Sete por Dois – completam o quadro, ao lado de montagens paulistas.

O Fringe, mostra paralela do Festival de Teatro de Curitiba, que reúne cerca de 300 espetáculos, este ano tem a participação da Companhia Brasileira de Teatro, a mesma que no ano passado apresentou Vida, sólida encenação baseada na obra de Paulo Leminski. Este ano, a sede da companhia abrigará Oxigênio, a mais recente montagem do diretor Márcio Abreu, além de leituras dramáticas com o grupo Espanca de Belo Horizonte e Clube Noir de São Paulo, e mais de oficinas e encontros com criadores.


O que há (de melhor) para ver

R&J de Shakespeare – Juventude Interrompida – O texto bem urdido, que transfere a representação da tragédia de Romeu e Julieta para grupo de alunos de colégio britânico, ganha ritmo intenso pela habilidade do diretor João Fonseca em estabelecer alta voltagem cênica, em que comédia e drama se equilibram. Outro trunfo é o quarteto de atores, que mantém a platéia presa às suas atuações, em especial Rodrigo Pandolfo, um jovem
já com domínio de seus meios interpretativos.Teatro Gláucio Gill

A Lua vem da Ásia - A ficção de Campos Carvalho recria universo atropelado por inconclusões e por visão um tanto niilista da existência. O diretor Moacir Chaves empresta ao monólogo um caráter múltiplo, conduzindo os espectadores pela jornada de alguém percorrendo dúvidas. Com o vigor do peito aberto e o patético de um vagabundo que evoca Beckett, Chico Diaz transmite um certo “sentimento do mundo”, numa atuação límpida. Teatro I do Centro Cultural Banco do Brasil.
Deus da Carnificina – A francesa Yasmina Reza se preocupa mais com o invólucro do que com o conteúdo, e neste texto sobre a crescente agressividade de casais diante da briga dos filhos, não é diferente. Com habilidade e curiosa cenografia, o diretor Emílio de Mello soube ressaltar o que o invólucro tem de melhor, o seu brilho externo, utilizando quarteto de bons atores, no qual se destaca Julia Lemmertz com alguns momentos excepcionais. Teatro Maison de France.

Histórias do Amor Líquido – Em três histórias que se interpõem, o autor Walter Daguerre captura modos diversos da “liquefação das relações contemporâneas”. O diretor Paulo José adota ritmo dinâmico e nervoso para a montagem, apoiado pelo criativo cenário de Fernando Mello da Costa, que usa, como poucas vezes se viu no teatro carioca, projeções com ótimo efeito dramático e qualidade técnica. Teatro Poeira.

Cara a cara com o sujeito oculto
In on It - Este exercício de decomposição narrativa é uma gingana de descobertas, na qual a trama se transforma no sujeito oculto de uma investigação amargamente lúdica. Frio e distante na aparente racionalidade, quente e pulsante no substrato da trama, a montagem de Enrique Diaz traduz esses contrastes com segurança. Fernando Eiras e Emílio de Mello mergulham nesta aventura narrativa com interpretações sensíveis. Teatro do Planetário.

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