domingo, 6 de fevereiro de 2011

5ª Semana da Temporada 2011

Crítica/ Barba Azul – A Esperança das Mulheres

Tensões desconcertantes entre sexos

A alemã Dea Loher, autora deste texto baseado na fábula homônima do século 17 e que pode ser vista no Teatro da Casa de Cultura Laura Alvim, não é desconhecida do público brasileiro. Escreveu A Vida na Praça Rosevelt, há menos de uma década, recorrendo a tipos capturados nesta área da capital paulista, e que os Satyros levaram à cena, em 2005. O teatro de Dea ainda perambulou pela América do Sul, trazendo para Montevidéu sua dramaturgia germanicamente urbana e de tensões narrativas desconcertantes. Em Barba Azul, a apropriação do personagem, atualizado no tempo e redimensionado pelas pulsões femininas, transfere às mulheres a percepção do masculino, mesmo que à custa de sua eliminação pela morte. A viragem que tal visão faz das sucessivas mortes um ato de violência no rastro da perseguição por compreender os próprios desejos. É até certo ponto estranho que Barba Azul, originalmente um assassino sequencial de mulheres, seja visto por Dea como um matador acidental, quase um desastrado criminoso, na pele de vendedor de sapataria. Deste aparente despiste da moralidade de gênero, ressaltam os recursos fabulares que são empregados para que não se conclua ou julgue. É da exibição de mulheres ambicionando o ideal viril ou o fracasso da masculinidade que elas sucumbem. Para além da determinação dúbia das personagens, a narrativa traz ainda a estranheza da construção fracionada em quadros, que transmitem a sensação de olhares parciais de um panorama ampliado. Fábio Ferreira, tanto na direção quanto na cenografia, secciona o plano geral, detalhando os movimentos daquelas que gravitam ao redor suas hesitações. Desenha humor frígido numa ambientação sóbria, uniformizando a dubiedade dos sentimentos em traços horizontais. A montagem não desconserta, como aparentemente deseja, mas provoca relativa indiferença pelo descolorido da tonalidade narrativa. Não há alternâncias, variações, atalhos para a linearidade dramática. A participação do elenco – Marcio Vito, Raquel Iantas, Teresa Hermanny, Marcelle Sampaio, Laura Becker e Mona Vilardo – favorece esse registro único. Todos parecem seguir gestual mecânico e distancia reflexiva do que os personagens efetivamente representam.         


  
Crítica/ ObsCena

Atrizes assistem ao show de seus depoimentos cantados 


A não ser por uma questão de nomenclatura, especula-se como classificar este espetáculo em cartaz no Espaço Cultural Sérgio Porto. Show, performance, teatro, musical, experimento de linguagem com o uso de vários elementos? Pode ser um pouco de tudo e nada de muito demarcado. Delineado, talvez. O que se propõe ao espectador é algo próximo a show de música, no qual canções com letras lançam estilhaços da cultura pop em imagens de flagrantes de sexualidade perturbadora e sensações descartáveis, alardeados por batidas de sonoridades condizentes. Quatro atrizes, cantoras, instrumentistas – Bianca Joy Porte, Camila Magalhães, Fernanda Bond e Leandra Leal – um músico – Domenico Lancelotti -, e convidados a cada semana, desfilam depoimentos, não totalmente verdadeiros, nem completamente mentirosos, sobre investidas sexuais na infância e adolescência e outras lembranças formadoras. ObsCena dá sequência, explorando formato diferente às especulações cênicas da diretora Christiane Jathay, que desmonta o real através de depoimentos que são expostos como verdades mentirosas. Em outras montagens, geradas à partir desta estrutura, o jogo surgia com poderosa carga inventiva e desabusada ousadia construtiva. Neste caso, o meio (predominância do show de música) absorve apenas parcialmente o modo (as sugestões dramatizadas dos depoimentos). A manipulação de elementos cenográficos e a busca da junção das atrizes e as personagens (quem é quem? o que dizem e o que cantam é uma só realidade?) ajudam, ou não, a situar o que ObsCena é, ou poderia ser. Os títulos das músicas dizem muito do que se fala no espetáculo. A trilha original, assinada por Domenico Lancelloti e também por Vitor Paiva, deixa claro o roteiro das poucas falas. Decifrando o porquinho, No ouvidinho, O tema do motorista que bolinava, Improvisando na sauna e Sedativo são composições que apóiam o que as garotas vocalizam em cena. E é da música que a montagem partiu e através dela que a diretora intentou conceber e ajustar seus conceitos, mas que manteve autonomia expressiva como show, como se tivesse absorvido o teatro como apara de propósitos.        



Cenas Curtas

 Barbara Heliodora, crítica, ensaísta e autoridade internacional na obra de William Shakespeare, participa das Rodas de Leitura. Barbara conversará com a platéia sobre Shakespeare bem humorado, utilizando-se de trechos de peças e poemas do Bardo e de seu próprio humor inteligente, uma das características da tradutora de 15 peças do dramaturgo, além de autora de teses e livros sobre o dramaturgo de Comédia dos Erros. Segundo a palestrante, que será ouvida no dia 14, às 18h, na Fundação Biblioteca Nacional, “Shakespeare prezava demais a alegria dos homens para ter preconceitos contra a comédia como instrumento de expressão de pensamentos que, em si, podem ser sérios”.

Em nova fase, com a dinamização da sua linha editorial e edições temáticas, a Revista da Sbat lança o número 522. Criada no mesmo ano da fundação da Sociedade Brasileira de Autores (1917) traz como tema central dos meses de novembro/dezembro, a relação teatro/cinema. Aderbal Freire-Filho estabelece o cinema falado como ponto de inflexão da história do teatro, enquanto Domingos Oliveira faz comparações entre as duas artes. Mantendo a tradição de quase um século, a Revista da Sbat continua publicando a cada edição, um texto teatral na íntegra. Desta vez, e coerente com o tema central, pode ser lida Atlântida, de Ana Velloso e Vera Novello, musical que trata do famoso estúdio de cinema dos anos 50.

A atriz e artista plástica Analu Prestes, atualmente no elenco de Estilhaços, no Museu do Universo, participa da próxima Quadrienal de Praga, em junho. Escolhida como uma das representantes brasileiras da mostra de design cênico (designação atualizada para cenografia), Analu levará à capital tcheca o cenário-instalação que criou para Sonhos de Vestir, monólogo dirigido por Vera Holtz da autora e atriz Sara Antunes, que está em temporada na Casa de Cultura Laura Alvim. A obra de Analu estabelece visualmente um espaço de devaneios, com detalhes bordados com minúcia de artesã, como se fosse um manto-véu, com costuras que fixam em linhas coloridas, palavras soltas, que reproduzem no tecido vozes interiores.  

Uma auspiciosa novidade. O diretor Moacir Chaves anuncia a criação de companhia estável, à qual deu o nome de Alfândega 88. Como primeira produção, a Alfândega estréia dia 10 no Espaço Sesc, Labirinto, reunião de três textos – As Relações Naturais, Hoje Sou Um, Amanhã Outro, e A Separação de Dois Esposos -  de Qorpo Santo, pseudônimo do autor gaúcho do século 19, José Joaquim de Campos Leão. No elenco, nomes que formam a companhia recém criada: Katiuscia Canoro, Elisa Pinheiro, Diogo Molina, Peter Boos, Adriana Seiffert, Andy gercker, Danielle Martins de Farias, Denise Pimenta, Fernando Lopes Lima, Gabriel Delfino, Gabriel Gorosito, Mariana Guimarães, Pâmela Côto.

Depois de 20 anos, quando foi montado com Renata Sorrah, o monólogo Shirley Valentine volta à cena, a partir de 16 de março no Teatro I do Centro Cultural Banco do Brasil, agora com Beth Faria, dirigida por Guilherme Leme. O texto de Willy Russel, que estreou em 1986 no circuito Estados Unidos/Inglaterra e foi transposto três anos depois para o cinema, trata de uma mulher de meia idade que exibe suas frustrações por casamento falido e que viagem à Grécia determina novas possibilidades de vida. Na ficha técnica desta versão, Aurora dos Campos assina a cenografia, Wagner Freire a iluminação, e Tatiana Brescia o figurino.



O que há (de melhor) para ver

Shakespeare com boa nota no colégio

R&J  de Shakespeare – Juventude Interrompida – O texto bem urdido, que transfere a representação da tragédia de Romeu e Julieta para um grupo de alunos de um colégio britânico, ganha ritmo intenso pela habilidade do diretor João Fonseca em estabelecer alta voltagem cênica, em que comédia e drama se equilibram. Outro trunfo é o quarteto de atores, que mantém a platéia presa às suas atuações, em especial Rodrigo Pandolfo, um jovem já com domínio de seus meios interpretativos.Teatro Gláucio Gill

A Lua vem da Ásia -  A ficção de Campos Carvalho é um modo de recriar universo atropelado por inconclusões e por visão um tanto niilista da existência. O diretor Moacir Chaves empresta ao monólogo um caráter múltiplo, conduzindo os espectadores pela jornada de alguém percorrendo dúvidas. Com o vigor do peito aberto e o patético de um vagabundo que evoca Beckett, Chico Diaz transmite com ironia e sensibilidade o “sentimento do mundo” construído por Campos de Carvalho, numa atuação límpida e inteligente. Teatro I do Centro Cultural Banco do Brasil.
  
Deus da Carnificina – A francesa Yasmina Reza se preocupa mais com o invólucro do que com o conteúdo, e neste texto sobre a crescente agressividade de um casal diante da briga dos filhos, não é diferente. Com habilidade e inventiva cenografia, o diretor Emílio de Mello soube ressaltar o que o invólucro tem de melhor, o seu brilho externo, utilizando quarteto de bons atores, no qual se destaca Julia Lemmertz com alguns momentos excepcionais. Teatro Maison de France.

Histórias do Amor Líquido – Em três narrativas que se interpõem, o autor Walter Daguerre captura modos diversos da “liquefação das relações contemporâneas”. O diretor Paulo José imprime ritmo dinâmico e nervoso à montagem, apoiado pelo criativo cenário de Fernando Mello da Costa, que usa, como poucas vezes se viu no teatro carioca, projeções com ótimo efeito dramático e qualidade técnica. Teatro Poeira.
                                                                                                                                                                                       macksenr@gmail.com
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